Recentemente criámos um post para o Facebook e o Instagram, no qual partilhámos uma fotografia relativa à situação dos viajantes em cadeiras-de-rodas. Como o assunto pareceu de interesse para quem nos segue, aqui está um artigo um pouco mais desenvolvido sobre o tema. Esperamos que a leitura seja informativa e aguardamos os vossos comentários e considerações.

Informação adicional:
Este artigo sofreu um acréscimo e algumas adaptações na sua versão de 3 – 7-2023, em resultado de a sua autora ter colhido mais informações e sobretudo perguntas muito relevantes e comentários úteis, designadamente por parte de duas viajantes em cadeiras de rodas que são também elas escritoras dotadas e autoras de diversos materiais sobre o turismo para todos. Convidamos o leitor a conhecer melhor o trabalho de Cândida Proença e também de JustGobySofia, cujos links se encontram abaixo indicados, não só porque representam duas comunicadoras muito representativas do universo do turismo, mas também porque trazem alguma diversidade dentro das experiências de viajar em cadeira de rodas.
Sobre Cândida Proença:
https://cuidarhoje.alcura.pt/candida-proenca-o-turismo-e-para-todos/
https://www.diariocoimbra.pt/noticia/75919
Sobre JustGobysofia:
Gostaríamos ainda de acrescentar que todas as informações aqui fornecidas são resultado de experiências diretas, e portanto são ao mesmo tempo absolutamente reais mas também enviesadas de subjetividade. Casa pessoa é única, e cada história que levou ao uso de cadeira de rodas é diferente, pelo que as necessidades e circunstâncias dos cadeirantes irão diferir daquelas que narramos.
Acrescentamos ainda a referência ao trabalho excelente de Josh Grisdale, canadiano de nascimento, que se desloca em cadeira de rodas elétrica e que vive no Japão desde 2007. O seu blogue https://www.accessible-japan.com/ é realmente um recurso fundamental:

1 – O Japão é assim tão diferente na perspectiva do utilizador de cadeira-de-rodas /cadeirante ?
No programa em que esteve a nossa amiga “Miki” (vamos chamar-lhe assim daqui em diante), o itinerário foi pensado logo à partida para a sua condição de cadeirante intermitente. Miki tem uma condição de saúde que até lhe permite verticalizar-se de vez em quando (tem dias…), mas realmente teria de fazer a viagem ao Japão e todo o itinerário contando com o precioso apoio da cadeira de rodas que alugou em Portugal. Usou a cadeira todos os dias, todo o dia, e apenas se levantou quando a) não era possível fazer passar a cadeira por um obstáculo, b) queria tirar uma foto para a posteridade sem a cadeira (há várias estratégias para ser mais confortável), ou c)para entrar em espaços onde a cadeira não era permitida.
Verdade seja dita, no Japão não encontrámos nem mais nem menos dificuldades do que teríamos em Portugal para realizar um itinerário de passeio. Possivelmente até foi mais fácil no Japão porque há mais elevadores em estações e melhores transportes públicos em geral. Dito isso, continua a ser incontornável a presença de pelo menos um cuidador acompanhante 100% do tempo, o que nos leva ao segundo tópico.
Edit: da parte das nossas comentadoras (obrigado, desde já) existe diferendo em relação sobre se será necessário um acompanhante ou não. Na nossa parte, apenas podemos acrescentar que neste destino particular – o Japão – e em itinerários que não são exclusivamente em grandes cidades com um perfil internacional e muitos serviços adaptados, não podemos garantir a possibilidade de circular bem e desfrutar de tudo com gosto se não for com pelo menos um acompanhante. Calculamos que, se uma pessoa visitar apenas Tokyo durante uma semana (mantendo-se onde é mais comum a existência de estruturas e serviços para visitantes em geral) é possível fazer sozinho/a, mas realmente não é bom base nesse tipo de programa que colhemos a experiência que está na base deste artigo.
2 – A figura do cuidador acompanhante
É possível fazer uma visita ao Japão em cadeiras de rodas desde que exista pelo menos um cuidador acompanhante 100% do tempo. Se forem duas pessoas será mais adequado, tanto pela carga física inerente à função como pela exaustão psicológica e gestão de bagagens. Isto à partida pode parecer “pormenores” mas ao longo do tempo vai-se manifestando como algo com bastante impacto na experiência da pessoa que acompanha e mesmo na sua capacidade de manter uma boa saúde física e mental.
Devemos ressaltar que cabe ao(s) acompanhante(s) a auto-análise, com sinceridade, e ANTES da viagem, sobre se estão realmente preparados para o fazer. Muitas vezes é melhor contratar profissionais do que pedir a amigos ou familiares para o fazer, pois na prática as funções são imensas, o cansaço acumula-se e as dinâmicas psicológicas entre pessoa-assistencial e pessoa-em-situação-de-assistência podem agir em detrimento de uma boa experiência durante a viagem, para os próprios e para o resto do grupo.
Aí entra em ação um outro fator importantíssimo: o sentido de “família” entre todos os membros do grupo.
Edit: Acrescentamos que, para transporte de bagagens, o Japão tem um serviço de Ta-Q-Bin que permite levar as malas pesadas entre um hotel e o outro. Este serviço é pago e tem de ser subscrito em pontos de recolha próprios, ou então pagando extra pela recolha no hotel e/ou pela entrega no próprio dia. Sendo uma despesa considerável, não foi escolhida pelos viajantes neste caso, e por isso os acompanhantes tiveram de assegurar o transporte da bagagem da pessoa em cadeira de rodas também.
3 – Viajar em grupos pequenos e em que todos os membros do grupo conhecem previamente a situação e as suas implicações
Num itinerário em que um ou mais viajantes usarão cadeira-de-rodas é necessário que todos os outros viajantes estejam a par da situação desde a fase de planeamento, não só “teoricamente” mas realmente com envolvimento emocional e sentido de comprometimento com a causa maior de tornar a viagem acessível e agradável para todos.
Faremos a distinção com maior clareza ainda:
Uma viagem acessível não é uma viagem em que um dos elementos (o/a cadeirante) é preferido, e outros preteridos. Nem tão pouco é uma viagem em que uns têm de ter “paciência” para outros. Uma viagem acessível é uma viagem em que todos os elementos têm prazer, alegria, realização plena e sentido de alcançar os objetivos a que se propunham. Isso sucede mesmo quando executam um itinerário pensado de raiz para as acessibilidades, nos tempos, rotas e modos que são necessários ao nível de quem tem limitações físicas.
Se os viajantes usarem estratégias psicológicas como a empatia para além do comum sentido de “compromisso”, e portanto estando verdadeiramente a desfrutar de todos os aspetos positivos da experiência (leia-se: vendo todos os aspetos da experiência como positivos), tanto “Miki” como o/a(s) acompanhante(s) (como todos os outros aliás!) estarão a desfrutar da viagem com um sentido de “família” (“estamos todos nisto juntos”), sem que se instalem aborrecimentos por esperar por certas soluções ou fazer certos desvios, por exemplo.

4 – Para quem não conhece o Japão, que tipo de experiência pode esperar ao deslocar-se de comboio?
Na imagem acima, podemos ver o interior de uma carruagem de shinkansen (comboio-bala) e como em algumas filas de bancos existe um lugar específico para a cadeira-de-rodas. Estes lugares existem em todos os comboios shinkansen mas não em todas as carruagens, pelo que deverá ser adquirido um bilhete especial com este lugar reservado (com custos extra). Se “Miki” não pudesse verticalizar-se de todo, esta teria de ser a nossa opção, mas no nosso caso Miki preferiu sentar-se nos bancos normais e nós simplesmente fechámos a cadeira de rodas (era daquelas que se pode fechar e arrumar em pouco espaço) e colocá-la no all entre as carruagens ou atrás de um dos bancos.
Note-se que, se a cadeira com a qual viajam não puder arrumar-se desta maneira, ou a pessoa não puder levantar-se de todo, então nesse caso é absolutamente essencial garantir o bilhete especial para o lugar da cadeira de rodas, já que não há outro lugar em que esta caiba. Já nos comboios regionais e locais, é mais fácil. Nesses comboios há marcações no chão da plataforma de embarque que indicam exatamente onde vai ficar a porta da carruagem que tem lugar para cadeira de rodas. Para além disso, nos comboios regionais e locais não é preciso reservar lugar especial, pois o bilhete normal dá acesso a tudo. Assim, quando o comboio pára na plataforma, uma ou duas pessoas são o suficiente para ajudar a cadeira de rodas a entrar na carruagem. Se estiver disponível o serviço de rampa de embarque, este deve ser pedido na bilheteira, no ato de compra do bilhete, pois algumas estações têm o serviço sem quaisquer custos!

Exemplo de embarque

Exemplo de desembarque
O sistema da rampa de embarque e da rampa de desembarque foi criado no Japão há muitos anos, motivado pela existência de pessoas idosas em cadeiras de rodas sobretudo, e funciona da seguinte maneira:
- no ato de compra de bilhete, dirigir-se ao gabinete de atendimento direto (caixa de vidro junto aos portões em que se valida o bilhete) e pedir o uso da rampa para embarque, dando também a informação da estação de desembarque e mostrando o bilhete adquirido para que o chefe de estação saiba como comunicar com a outra estação;
- ir para a plataforma com o assistente da estação e proceder ao embarque com o seu apoio;
- não mudar de carruagem durante a viagem;
- no desembarque, aguardar que o assistente dessa estação monte a rampa e desembarcar em segurança.
Na verdade o sistema funciona até para quem viaja em cadeira de rodas sem acompanhante!
Tenha em consideração tempo de sobra para deslocar-se entre os diversos níveis (andares) da estação em elevadores que muitas vezes estão nos extremos das plataformas, por isso não compre bilhete para o comboio “já a seguir”. Ao invés disso, dê pelo menos 10 minutos de margem de manobra.
5 – Há limitações ao nível do tipo de experiências imersivas que se podem ter ?
Aqui no nosso Projecto Cultural e Pedagógico consideramos as experiências imersivas (C) como uma parte muito importante do processo de aprendizagem no que diz respeito aos conteúdos de história, arte, língua & cultura, antropologia, sociedade e relações internacionais. Não concebemos sequer “visita cultural” sem que isso faça parte inerente da equação! Portanto, nunca esteve em causa prescindir das experiências imersivas, sendo sim possível fazer escolhas e executar planos com vista a uma boa experiência para todos.
Alguns dos desafios que nos foram apresentados prendem-se com a natureza dos alojamentos. No Japão, a experiência mais imersiva a esse nível será a de estadia num Ryokan – a tipologia de alojamentos tradicionais japoneses. Os ryokans mais antigos, bem preservados, e com banhos termais naturais (“onsen” proveniente de águas naturalmente aquecidas pela atividade vulcânica), localizam-se muitas vezes em regiões montanhosas, inclusivamente sem transportes públicos à porta, pelo que se torna necessário contratar serviços de táxi. Os táxis no Japão são muito mais caros do que na Europa, e muito mais caros do que em Portugal, e têm algumas condicionantes acrescidas. Por exemplo, há poucos táxis disponíveis na rua, sendo geralmente um serviço que se tem de contratar por telefone (em japonês) com antecedência, idealmente no dia anterior pelo menos. Nem todos os táxis têm espaço na bagageira para a cadeira de rodas (fechada) ou entrada acessível para o cadeirante, sendo por isso imprescindível informar desse detalhe quando se contrata e agenda o serviço.
Uma vez chegados ao ryokan, como não podem entrar sapatos nem nada que tenha tocado no chão do lado de fora, todas as bagagens com rodinhas têm de ser desinfetadas e as rodas da cadeira de rodas também. Esse procedimento é anterior à pandemia e nada tem a ver com a mesma. Com ou sem possibilidade de se verticalizar, será sempre necessário limpar tudo o que vem de fora, pela natureza quase sagrada do espaço interior (raízes no shintoísmo), e isso incluí as rodas da cadeira se esta tiver de entrar no ryokan.
O(s) degrau(s) entre o genkan e o all de entrada do ryokan poderão ser transpostos com uma daquelas rampas que já mostrámos quando explicámos como funciona o embarque e desembarque nos comboios, e que todos os estabelecimentos de hotelaria têm. Uma vez no interior do ryokan e de outros espaços que eventualmente tenham áreas com chão de tatami, deve ter-se em conta as regras específicas do alojamento. Alguns ryokans dão a possibilidade de , uma vez coberto o chão de tatami com toalhas grossas, permitir a entrada da cadeira de rodas numa seção do quarto, entre a porta e a cama, desde que não entre em contacto com o tatami.

Outro tipo de experiência imersiva é a realização de um encontro com os locais para uma sessão de workshop ou formação, ou simplesmente convívio em redor de uma atividade (caminhada em natureza, visita a um espaço culturalmente relevante, assistir a um espetáculo, tomar uma refeição com gastronomia local, etc). Quando esta experiência envolve Cerimónia do Chá, estamos numa situação equivalente à anterior, porque o pavimento das Casas de Chá ou das casas tradicionais japonesas – quando nos recebem em sua casa – costuma ter esta divisão mais “formal” com tatami.

O chão em tatami natural não permite que se caminhe com sapatos, nem tão pouco a existência de mobiliário pesado ou a passagem de cadeira de rodas. O tatami ficaria irremediavelmente estragado com as marcas de pesar ou arrastar. As casas nas quais se fazem aulas sobre Cerimónia do Chá têm o pavimento em tatami (ou deveriam ter, se assim se procurar, para uma experiência autêntica).

Para a Miki, cederam um banquinho de bambu, que não fere o pavimento e é igualmente confortável, e aliás até a posicionaram perto do lugar de honra – o Tokonoma – tendo sido a primeira a ser servida no momento da Cerimónia do Chá. Depois, no workshop, teve uma professora de Cerimónia do Chá sempre com ela, a ensinar passo a passo. Foi uma diferenciação pela positiva, que enriqueceu tremendamente a experiência e sedimentou boas memórias em Miki, que assim realizou um dos seus maiores desejos no Japão.

A pedido da Miki, vamos fazer também referência aos Castelos e às Vilas-Museu. O Japão é um país de rica história e por isso há Castelos antigos e também reconstruções modernas que são réplicas exatas de castelos antigos. Também há Vilas-Museu, constituídas por casas de estilo tradicional, que exemplificam o estilo de vida anterior ao final do século XIX. Estes espaços, pese embora sejam voltados à visita – tanto de japoneses como estrangeiros – em passeio e/ou estudo, estão geralmente muito pouco adaptados. São locais com grande desnível (e no caso dos Castelos, com escadas) e não há circuitos pensados para os cadeirantes. Há raras exceções, claro, mas mesmo assim é sempre apenas possível uma visita “parcial”. A maneira japonesa de fazer “reconstituição histórica integral” é mesmo integral, e portanto não há rampas, elevadores, ou quaisquer dispositivos modernos nestas atrações.
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Esperamos que este artigo tenha ajudado a esclarecer algumas das perguntas que nos enviaram, mas estamos inteiramente disponíveis para mais questões, sugestões e comentários que nos cheguem. De futuro, esperamos ter a oportunidade de proporcionar mais destas experiências a viajantes interessados no Japão como destino de imersão cultural. Não se sintam desencorajados pelos desafios nem pela fraca oferta de programas acessíveis, pois com a devida preparação e apoio, tudo é possível. Deixamos aqui uma das fotos mais divertidas deste programa, com o grupo da Miki, que foi tirada pelo simpático funcionário da banca de gelados onde fizemos uma pausa antes de visitar o Fujisan Sengen Taisha, no sopé do Monte Fuji.
