Lições do Japão

Neste momento o mundo enfrenta uma pandemia inédita. O Covid-19 é uma doença nova, sobre a qual ainda há muito que não se conhece e infelizmente já trouxe grande sofrimento a muitos de nós. Respeitamos os que, com bravura, cuidam da nossa saúde, alimentação, segurança, gestão pública, e também de todos os que continuam a produzir arte e cultura para alimentar a mente e o coração. Durante vários dias, ponderando se deveríamos criar um post para este blog, colocou-se a questão “como fazer a diferença pela positiva?”. Com efeito, não faz sentido agora mostrar as experiências em viagem, porque as viagens desta Primavera estão suspensas. Também não podemos mostrar as aulas, workshops, cursos e exposições, porque também isso ficou adiado por tempo indeterminado. Podemos sim contribuir com um pouco de sabedoria e conhecimento no sentido de procurarmos todos proteger-nos o melhor possível. Há um lugar para onde nos voltamos sempre: o Japão. E por isso voltámos a essa premissa inicial, a essa fonte de inspiração, para criar este artigo. Esperamos que gostem e que estejam bem, se possível em isolamento social ou quarentena, para que o futuro venha a ser melhor do que o presente.

 

1.  A cultura de não tocar no rosto

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No Japão a etiqueta de comportamento correcto para cada situação tem, mesmo nos dias de hoje, uma grande importância. De modo geral, podemos dizer que na sociedade japonesa há mais consciência sobre o gesto, e sobretudo sobre a sequência de gestos e suas repercussões. Por exemplo, se um cliente ou consumidor de um estabelecimento vir que o funcionário da loja toca muito no seu próprio rosto, vai evitar pegar os artigos expostos para venda naquela loja, porque vai recear que estejam tocados pelo funcionário. A resposta é imediata, digamos que nem sequer é consciente, mas por trás da atitude está a consideração implícita de que poderão ter vestígios de suor, saliva, ou outros fluídos, e por isso não seria higiénico.

Para ambos os géneros, homens e mulheres, tocar frequentemente no rosto ou cabelo, é considerado inapropriado. Se feito em demasia dá a impressão de alteração de estado de espírito, ansiedade, nervosismo, e por isso é indicador de fraqueza de carácter. Tocar frequentemente na cara, como se não pudesse ter controlo sobre esse “tique” é portanto algo que diminui a credibilidade de uma pessoa. É algo tão profundamente imbuído na cultura que, desde cedo, as crianças aprendem a limitar o gesto de tocar no rosto.

As mulheres japonesas têm esta regra de “não tocar no rosto” como um mandamento rigoroso. As geixas e maikos dão-nos uma ideia do quão complicado é fazer a maquilhagem tradicional japonesa, a que seria usada por senhoras dessa ocupação mas também – em versões semelhantes – pelas damas de boas famílias. O gosto por uma pele branca de porcelana, lisa e imaculada, fez as japonesas apreciarem sempre os cremes de branqueamento do rosto e o hábito de não tocarem na cara. As mães japonesas do século XX habitualmente davam uma pequena palmada na mão das suas filhas adolescentes se as viam a coçar a cara ou apertar uma borbulha, para as desabituar desse gesto.

Quando o desconforto do rosto aumenta, especialmente no Verão, porque o calor e humidade provocam suor, os japoneses usam um lenço de bolso ou uma pequena toalha para absorver a humidade e apaziguar o desconforto, sem fricção na pele. Este modo gentil cria, de modo natural, muito menos contactos entre a mão (dedos) e o rosto directamente. De modo indirecto isso reduz também a quantidade de vírus e bactérias que colonizam o rosto ou que podem causar infecção por via das mucosas ou das vias respiratórias.

Apaziguar o estado interior, ter plena consciência de todos os movimentos do seu corpo, controlar todos os gestos, é uma parte fundamental de várias artes tradicionais japonesas, desde as artes marciais do Bushido até à Cerimónia do Chá, passando pela meditação zen e muitas outras práticas. Há uma certa “familiaridade” entre todas elas, e que também se manifesta de modo prosaico nas coisas do dia a dia, simplesmente porque faz parte da educação das pessoas aquando da sua socialização, primária e secundária.

 

2. As máscaras

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No Japão o uso de máscaras para o rosto é muito mais corriqueiro que no ocidente. Por terras de sol nascente as máscaras podem servir vários propósitos e há tantas variedades que as possibilidades são quase infinitas. Heis algumas das situações em que é perfeitamente banal usar máscaras de rosto no Japão, e o tipo de máscara que se usa:

Cenário A

Homem jovem acorda com ligeiro desconforto na garganta. Ao abrir a janela para iluminar a casa respira o pólen das árvores em frente da casa e espirra imediatamente. Habitualmente sofre de “kafunshou”, ou alergias de Primavera, por isso vai logo buscar as suas máscaras habituais, que tem sempre em casa. São muito confortáveis porque duram o dia inteiro, são feitas de fibras sintéticas, em várias camadas, e o exterior é branco, monocromático. Como a camisa que tem de usar para o trabalho é também branca, esse tom sóbrio é o melhor. Usa-as logo ao sair de casa porque vai apanhar o metro e não quer espirrar para cima das outras pessoas. Se espirrar várias vezes ao longo do dia terá de substituir a máscara provavelmente, por isso leva outra na mala.

Cenário B

Mulher jovem acorda um pouco atrasada de manhã. Depois de se arranjar para sair verifica que já não tem muito tempo para arranjar o cabelo e a maquilhagem, o que a incomoda muito. A empresa onde trabalha, como é regra no Japão, exige código de vestuário e apresentação, por isso tem mesmo de conseguir arranjar-se convenientemente antes de entrar no trabalho. Felizmente o local onde mora fica a meia hora de comboio do trabalho, e durante as primeiras estações o comboio costuma estar pouco cheio. Sabe que é contra o regulamento da companhia de transportes fazer a maquilhagem no comboio, mas desta vez vai ter de o fazer, já que não terá tempo de se arranjar em casa. Não precisa de ficar absolutamente perfeito, já que na empresa pode ir à casa de banho arranjar-se melhor. Mas tem de ser o suficiente pelo menos para colocar maquilhagem nos olhos, já que o resto pode tapar com uma máscara simples de pano branco. Coloca então tudo o que precisa na mala, a máscara no rosto e sai para a rua. Irá com a máscara todo o caminho até à empresa. Ninguém irá estranhar nada porque as pessoas costumam usar máscaras pelos mais variados motivos. Em ocasiões anteriores já usou por ter uma borbulha na face que não queria que vissem.

Cenário C

Rapaz adolescente regressa a casa muito tarde, vindo do centro de explicações. Está muito mais frio do que pensava e nem sequer levou o casaco porque se esqueceu dele na escola. Durante o caminho para casa, que faz de bicicleta, começa a chover. Ao chegar a casa, encharcado, vai logo tomar um banho quente, mas mesmo assim no dia a seguir tem uma constipação. É só um ligeiro corrimento nasal e garganta dorida, mas mesmo assim tosse de vez em quando. Antes de sair de casa verifica se tem febre. Segundo o regulamento da sua escola, se tiver febre superior a 38 graus não pode ir, mas desde que a febre seja baixa não tem dispensa das aulas. Como tem apenas 37 graus, nem sequer se qualifica como febre, e então coloca no bolso duas máscaras azuis baratas, daquelas que se compram na loja de conveniência, e vai colocando uma enquanto sai de casa. Vai ter de usar máscara todo o dia, inclusive nas aulas. Mas até não é mau, porque os professores costumam ser mais benevolentes quando vêm os alunos com máscara. Assumem que estão constipados ou com alergias e que os medicamentos que estão a tomar dão sonolência, por isso não se importam quando eles adormecem nas aulas. Hoje vai aproveitar para dormir nas aulas da manhã.

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Em qualquer uma destas 3 situações, nenhuma das máscaras usadas tinha qualquer efeito na prevenção efectiva de vírus e bactérias. Embora seja possível comprar máscaras com capacidades mais “médicas”, a verdade é que a maioria daquelas que se usam servem apenas para barrar a projecção de gotículas ou poeiras, e sobretudo ocultar a face. A ocultação da face, através do uso da máscara, pode até ser assumida de modo decorativo, através do uso de máscaras bonitas, personalizadas, em sub-culturas de moda como a “lolita” por exemplo. As jovens japonesas, que cultivam o ideal de “aparência de extrema timidez”, escolhem muitas vezes usar máscaras para expor o menos possível o rosto, e consequentemente ocultar a manifestação clara das suas emoções através da expressão facial. Esconder, ocultar, tapar, é um traço apreciado na cultura japonesa, por oposição às ideias ocidentais de mostrar e exibir claramente o rosto e todas as expressões emocionais. Um rosto descoberto na sua totalidade, com uma expressão franca e desinibida, olhos bem abertos, boca que se articula sem vergonha, tudo isso que é visto na cultura ocidental como franqueza e autenticidade, é na cultura japonesa algo desconcertante, que pode inclusivamente tornar o interlocutor (japonês) muito desconfortável.

Por ser algo banal, o uso da máscara no Japão não assusta ninguém, não transmite a sensação de perigo de saúde pública. E também por ser banal, há em abundância nas lojas e toda a gente já tem algumas de reserva em casa. As pessoas podem usar máscaras que eventualmente pouco ou nada eficazes são contra um vírus como o COVID, mas pelo simples facto de as usaram já emitem menos projecção de tosse ou espirros para os outros, e tocam muito menos na face. Essas duas consequências são, por si mesmo, já algo benéfico para o controlo da viralidade desta doença.

 

3.  A entrada da casa

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Na arquitectura tradicional japonesa, do foro doméstico, existe um espaço específico na entrada denominado “genkan”. Este espaço foi tendo um modelo variável ao longo do tempo, mas algumas das suas características essenciais estiveram sempre presentes. O “genkan” fica sempre na entrada da habitação (seja ela familiar ou um alojamento que recebe hóspedes), estando num nível inferior em relação ao resto da habitação (é necessário subir um degrau para lhe aceder). Geralmente, antes do “genkan”, há um pequeno jardim com uma fonte de água, para lavar as mãos e o rosto. No jardim, junto à fonte, ou então na primeira parte do “genkan”, deve sempre haver esse espaço de limpeza e também uma fonte de luz/fogo. Antigamente o elemento luminoso assumia a forma de uma lanterna de pedra mas modernamente pode ser uma luz eléctrica. Nos apartamentos japoneses modernos, se o “genkan” não puder ter uma zona de lavagem, a entrada para o wc pode fazer-se lateralmente, antes de entrar no resto da casa.

O “genkan” tem duas funções essenciais: arrumar o que é da rua (e que se pega nesse lugar antes de sair e ali se guarda ao regressar), e arrumar os sapatos. Os movimentos das pessoas no “genkan” são executados de modo que o que é “da rua” nunca passe para o patamar de cima (acima do degrau), e o que é “de casa” nunca passe para o patamar de baixo. Os sapatos por exemplo, se são os da rua, não se tocam com as mãos, e os chinelos de casa não se descem. Esta maneira muito prática de dividir o que é de dentro e de fora, apurada ao longo dos séculos, é a disciplina mais eficaz para separar os germes exteriores do ambiente higienizado do interior. Se um apartamento tem menos espaço do que uma casa tradicional, o “genkan” pode ter menos espaço de arrumação para malas, casacos e sapatos, mas as funções são as mesmas.

Na fotografia acima, do lado direito, é possível ver uma sapateira. Junto à sapateira há um estrado de madeira no chão. Este estrado está apenas a poucos centímetros do chão de pedra, mas está efectivamente separado deste. Quando uma pessoa entra na casa, com chão de pedra, deverá descalçar os sapatos voltado para a sapateira, sem poisar os sapatos no estrado de maneira. O estrado de madeira serve para a pessoa estar de meias ou de pés nus, depois de se descalçar, enquanto coloca os seus sapatos nas prateleiras. A partir do estrado de madeira, a pessoa que acabou de entrar em casa passa para o degrau superior, onde calça os chinelos. Os chinelos já estão ali alinhados à espera da próxima pessoa que vai entrar.

No móvel que se pode ver em frente à sapateira, no lado esquerdo dessa mesma foto, podem guardar-se casacos, chapéus, e malas. Todas essas coisas devem poisar-se ali antes de tirar os sapatos e antes de entrar em casa. Normalmente coisas como loção de creme para mãos, um pequeno espelho, as chaves de casa, etc, também são deixadas nesse espaço.

A fonte, que na arquitectura tradicional fica junto à entrada e nos apartamentos modernos é substituída pela entrada lateral para um wc, complementa este modelo perfeito de higienização profilática, já que se lavam as mãos antes de entrar no lar propriamente dito.

 

4. Percepção de espaço pessoal, distanciamento, etiqueta

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Uma vez estando no Japão, e nas mais variadas situações, em contexto de interacção social, assumimos uma percepção de espaço pessoal que é muito diferente daquela que é mais comum no mundo ocidental, e especialmente nas sociedades de matriz latina, como é o caso de Portugal.

Como se pode ver nas fotos acima, que são representações realistas de eventos quotidianos, cada indivíduo tem uma “bolha” de espaço pessoal que é muito maior do que seria, por exemplo, em Portugal. Assim, esse espaço inviolável, não é penetrado levianamente. Possivelmente, apenas entre os membros da família próxima a “bolha” pode ser menor ou perto de zero. Mas, de modo geral, não há toque directo e nem sequer proximidade entre as pessoas. O espaço que está à volta de uma pessoa é variável conforme o tipo de situação, mas nunca é menos de 1m (do centro do corpo).

Quando os amigos se encontram para tomar um café e conversar, o amigo ou amiga que já se encontra no local cumprimenta com um aceno de mão junto ao corpo (como se vê em cima), ou com um pequeno aceno de cabeça (já que são amigos próximos), mas não com beijos, abraços ou “passou-bem”. Quando os amigos conversam no café estão sentados a uma distância de aproximadamente um metro, podendo estar directamente frente-a-frente ou ligeiramente de lado. Não é educado inclinar-se ou tocar no outro. Quando é preciso dar alguma coisa, seja para pagamento numa loja ou oferta de um presente, há um local para o fazer. No caso das lojas há um pequeno tabuleiro junto à caixa onde se coloca o dinheiro, este não é entregue em mão ao funcionário que está na caixa. Quando uma pessoa quer dar a outra o seu cartão com o cargo que exerce e os contactos, apresenta o cartão voltado para quem o está a receber, e toca-lhe o menos possível. Mantém os seus dedos nos dois cantos do cartão mais próximos de si, de modo que a outra pessoa peque o cartão pelos dois cantos que lhe estão mais próximos, sem que tenha de tocar onde o outro tocou. O pormenor poderá parecer excessivo numa descrição como esta, mas na realidade do dia-a-dia, estes gestos estão já muito naturalizados, e quando uma pessoa vive no Japão absorve estes comportamentos com relativa rapidez, verificando que são muito convenientes.

A saudação com vénia, que serve para “olá” e também para “adeus, até breve”, e que se pode ver acima entre duas senhoras junto à entrada de uma estação de transportes, também demonstram apreço e respeito, e uma verdadeira ligação entre as pessoas, sem que seja preciso qualquer tipo de contacto físico directo. Estas práticas conduzem a uma menor probabilidade de passagem de vírus e bactérias entre as pessoas, sendo esse um benefício indirecto mas muito bem vindo neste momento.

 

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Na data em que estamos a escrever este artigo, o Japão está também a sofrer os efeitos desta pandemia, como todas as outras nações, mas efectivamente demonstrou até à data um resultado estatístico muito abaixo daquilo que seria de prever dada a sua proximidade com a China e a Coreia, ambas gravemente afectadas. Apesar de ter uma população muito envelhecida e cidades onde a proximidade de pessoas em transportes públicos e locais de trabalho é inevitável, o Japão talvez esteja a usar a seu favor alguns dos elementos acima apresentados, pelo que a sua importância não deve ser subestimada.

Desejamos a todos os nossos leitores que se encontrem seguros, saudáveis e bem, e esperamos que possam olhar para o futuro com optimismo e esperança. Vamos procurar ajustar os conteúdos deste blogue às necessidades dos nossos tempos, e estamos também a publicar regularmente no nosso facebook .

 

 

 

Registo de vídeo da conferência “Japão – a terra do amanhã”

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No dia 8 de Agosto realizou-se no espaço “Pet & Tea” na baixa de Coimbra uma conferência e evento de “Meet and Talk” aberto ao público geral e de acesso livre, dedicado ao tema “Japão – a terra do amanhã”. No vídeo abaixo pode assistir integralmente à conferência e a uma parte do período de perguntas e respostas, correspondente à primeira hora desta sessão.

A oradora convidada agradece à gestão do espaço “Pet & Tea”, o primeiro Cat Café do país deste tipo, que para além de proporcionar um ambiente acolhedor e culturalmente estimulante, também recebeu muito bem todos os membros do público nesta sessão. Os participantes puderam consumir os produtos exclusivos deste estabelecimento, ter acesso ao espaço dos gatinhos que estão disponíveis para adopção, e prolongar a tertúlia bem para além das horas inicialmente estipuladas como o limite do evento.

Clique AQUI para assistir ao vídeo no Youtube.

As fotografias acima apresentadas são da organização deste evento, da Revista Evasões, e do Jornal Diário das Beiras.

 

Mais uma experiência exclusiva!

Desde que procurámos desenvolver o nosso programa de turismo imersivo, enquadrado num contexto de estudos japoneses mas aberto ao público geral, tem sido uma sucessão de momentos felizes. Felizmente, temos tido uma resposta muito positiva por parte das entidades japonesas, desde associações culturais a pequenas empresas de revitalização rural, passando por profissionais dos mais diversos sectores, da culinária à produção artística!

De modo muito sucinto, o que as nossas propostas de turismo imersivo procuram alcançar é levar o viajante que quer um mergulho cultural autêntico a encontrar aqueles que, no Japão, o podem proporcionar.

Mas temos ainda outros dois objectivos essenciais, que nunca podem ficar comprometidos: queremos que as experiências sejam acessíveis às condições médias do publico português (o que passa por exemplo por preços baixos ou mesmo sem custos), e queremos que a sua realização seja feita sem intermediários comerciais, de modo que o eventual investimento reverta directamente para aqueles que estão a precisar dele.

O turismo imersivo que desenvolvemos no Japão é tão diferente de “turismo” que quase nem se pode chamar assim! Na verdade o que temos em mente é contribuir para que as zonas do Japão tendencialmente menos desenvolvidas (com um contexto de depressão económica e populacional por exemplo) mas ao mesmo tempo culturalmente mais ricas possam ser visitadas e desfrutadas por aqueles que, de outro modo, nem saberiam o que procurar ou como lá ir ter.

Todas as parcerias são fruto de uma relação pessoal, de uma experiência prática, de uma amizade que tem em vista aumentar a energia da cada uma das partes, com reciprocidade e respeito. Não estamos a fazer contas nem tabelas de excel, quando há despesas que é necessário pagar apresentamos claramente a situação aos visitantes, mas não havendo o objectivo fixado do lucro nem a exploração de empresas de turismo massificado deixamos de lado a mentalidade consumista. Não consumimos, partilhamos. Não vendemos, mostramos. E, juntos, ficamos a conhecer-nos melhor e a estimar convenientemente a preciosidade do momento em que nos encontramos. É uma grande sorte poder contar com cada um dos que se “chegam à frente”, tanto do lado do Japão como do lado de Portugal!

O leque de experiências de turismo imersivo das quais já dispomos incluí as tradições mais significativas do Japão, como por exemplo a Cerimónia do Chá, a estadia em Ryokan com termas “onsen”, ou a gastronomia única dos templos budistas; e incluí também propostas totalmente inovadoras – mesmo no panorama turístico “convencional” japonês – como por exemplo o “glamping” em reservas naturais ou as rotas temáticas dentro do universo da espiritualidade e religião.

Mas, a partir do Verão de 2019, dispomos de mais uma experiência!

É com grande satisfação que anunciamos uma parceria que procurávamos há muito tempo: um espaço para realizar retiro de meditação, devidamente orientado, enquadrado tanto culturalmente como naturalmente.

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Este complexo, com templo, casas de retiro, aulas, workshops e alimentação, permite o acesso a não-japoneses, incluí orientação em inglês (e pode incluir também em português), sem comprometer a qualidade do conteúdo. Recebe tanto visitantes individuais como grupos, mediante pedido prévio (e reserva-se ao direito de não aceitar todos, pois afinal é um templo), para estadias mínimas de 3 dias consecutivos.

A localização, na Prefeitura de Oita, permite-nos articular com outras experiências de turismo imersivo que já temos vindo a implementar na região e na ilha de Kyushu, sendo assim uma mais valia para os viajantes que nos procuram para que os possamos ajudar a criar um programa à sua medida.

Por fim, mas como acima dissemos, não menos importante, é a razoabilidade de custos dos retiros que se podem fazer neste local. Com efeito, devido a uma abordagem com a qual também nos identificamos, o custo de participação não é fixo e o objectivo fundamental não é o enriquecimento, mas sim a contribuição significativa para os projectos de beneficência à população local que este templo suporta.  Existe o apelo ao donativo mínimo, até porque este é necessário para suportar os custos de limpeza, elaboração de refeições, e outros gastos, mas no final a totalidade da experiência recomendada (4 dias e 4 noites, em regime de pensão completa e retiro orientado) fica a menos de metade de experiências equivalentes que se realizam noutras partes do Japão mais afectadas pelo crescimento do turismo de massas.

As fotos acima, retiradas directamente desta nova experiência de turismo imersivo, agora disponível para os viajantes de Portugal, podem ser apenas imagens, meras cores na ilusão da visão, mas esperemos que o cativem para as possibilidades infinitas da sua recriação e do seu recomeço, quer tenha a possibilidade de nos acompanhar na próxima viagem ao Japão ou na sua vida diária, onde quer que se encontre.

Vamos ao Japão em Agosto deste ano, com partida de Portugal já confirmada dia 20 de Agosto, e regresso a 3 de Setembro. Caso queira saber mais sobre esta viagem por favor contacte umlongoveraonojapao@gmail.com

Os rostos e os rastos que (n)os ligam

A grande-história e a pequena-história têm formas muito interessante de se relacionarem, e muitas vezes é um singelo “fio” que puxa pela meada, até percebermos quantas pessoas e lugares diferentes estão envolvidos. Este será por isso um post invulgarmente longo, e também invulgarmente pessoal, feito de gratidão e de maravilhamento. Pois, também na produção da ciência (conhecimento) há a felicidade, de vez em quando, de sentir em primeira mão essa conexão entre as vontades de pessoas espantosas.

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Num dos nossos Clubes de Leituras do Oriente (o de Novembro de 2017, que podem revisitar aqui) tratámos o livro “O Samurai”, de Shusaku Endo. A obra foi escolhida depois de, numa edição anterior do Clube, termos trabalhado o livro “Silêncio”, que foi escrito antes de “O Samurai” e que, apesar de ficar famoso em Portugal depois do filme, continua pouco compreendido no geral. No livro “O Samurai”, a personagem principal é modelada a partir dos eventos da vida de uma personagem histórica real: Hasekura Tsunenaga. Este vassalo do Senhor Feudal Date Masamune (o daimyou de Sendai) e toda a sua comitiva estiveram efectivamente envolvidos numa daquelas viagens épicas da história da humanidade. E, ao prepararmos os conteúdos para essa sessão, um outro livro e um outro conjunto de pessoas veio ao encontro deste Projecto Cultural e Pedagógico também. O que é espantoso, e ainda mais por ser autêntico e actual, é que esse conjunto de pessoas são indivíduos de hoje, numa terra a umas meras 5 horas de carro, e que são directa e geneticamente relacionados com os eventos que inspiraram Sgusaku Endo a escrever “O Samurai”. Aliás, se o escritor tivesse tido disto conhecimento creio que teria escrito mais um livro…

Quando a “Embaixada Keichou” finalmente chegou a terras de Espanha (para se informar da viagem completa consulte aqui) , em Outubro de 1614, foi numa pequena povoação chamada Coria del Rio que estacionaram durante alguns dias, antes de uma entrada formal na cidade de Sevilha. E é precisamente em Coria del Rio que, nos anos 80 do século XX, começa a tomar forma um movimento de associativismo cívico – primeiro muito informal e depois com cada vez mais apoios do município, entre todos os habitantes que têm no seu nome de família o apelido “Japón”. Sim, com efeito a pequena localidade que dava entrada aos meandros do rio (via obrigatória para chegar a Sevilha), desenvolveu-se durante 400 anos sem perder a ligação àquela comitiva: os seus descendentes sempre mantiveram o sobrenome “Japón”.

A Associação que entretanto de formou estima que existam mais de 1000 pessoas com “Japón” até ao 3º nível de parentesco, e existem registadas mais de 500 com “Japón” em nome próprio ou num dos pais. A abundância de pessoas que têm “Japón” da parte do pai e também da parte da mãe comprova ainda mais o facto de, em Coria del Rio, existir uma circunstância peculiar de ascendência japonesa que se foi mantendo. Do ponto de vista da identidade cultural dos habitantes de Coria del Rio isso também é notório, desde já porque a sede de governo local tem a bandeira do Japão hasteada, e também porque há muitos outros marcadores do espaço público e eventos culturais que remetem para o Japão. Mas tudo isto foi um processo, longo aliás, já que dura há pelo menos 30 anos de forma organizada. E, mais recentemente, em 2014, foi realizado um projecto artístico, focado na fotografia/retrato, para documentar todas as pessoas com o apelido “Japón”.

Essa exposição fotográfica poderia ter ficado apenas em Coria del Rio, ou quanto muito ter chegado em forma de relato ao Japão, já que há muitos japoneses que visitam a localidade espanhola devido a esta história que os liga. Mas, também neste caso, a sinergia não cessou. A energia desta viagem épica do século XVII ainda se sente no modo como os encontros se multiplicam e as iniciativas se sucedem.

Na bela cidade alentejana de Vila Viçosa pode também sentir-se o impacto da passagem de uma embaixada japonesa daquele período histórico, que aliás precedeu a de Kenchou a Espanha. No caso da Embaixada Tenshou – a que passou por Portugal – as circunstâncias foram muito diferentes, e não houve lugar a descendência que se saiba. Contudo, tal como no caso de Coria del Rio, estas embaixadas tiveram um grande impacto e deixaram vestígios documentais que, já no século XX/XXI, vieram a ser “redescobertos” por intelectuais interessados e de visão larga. Assim, os livros produzidos, habilmente redigidos e divulgados junto da população em geral, permitem aos leitores de hoje, e sobretudo aos habitantes destas localidades, ter uma impressão directa do papel que o lugar onde vivem representou na chamada “Primeira Globalização”.

A exposição de fotografias de Coria del Rio chegou ontem a Vila Viçosa, e foi inaugurada com um evento muitíssimo bem organizado e extraordinariamente relevante nas relações entre a Península Ibérica e o Japão. A pequena sala de rés-do-chão do Cine-Teatro Florbela Espanca em Vila Viçosa foi efectivamente o lugar onde se realizou o evento cultural, pedagógico e académico mais significativo do último ano no que diz respeito às relações de diplomacia informal ibero-nipónicas, embora a humildade dos seus protagonistas e a singeleza dos seus organizadores tenham possivelmente distraído o público desse facto.

 

A Exposição “El r@stro del samurái” poderá visitar-se todos os dias da semana e do fim-de-semana, das 14h às 18h, gratuitamente. O catálogo da exposição está também disponível para venda, tendo o PVP de 15 euros, e os fundos revertem para a Associação de habitantes de Coria del Rio com o sobrenome Japón, sendo esses fundos actualmente usados para financiar investigação e promover eventos de interculturalidade.

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Tiago Salgueiro, autor do livro “Do Japão para o Alentejo”, sobre a passagem da Embaixada Tenshou por Vila Viçosa, aqui a apresentar a documentação do arquivo da Fundação Casa de Bragança.

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Professor Doutor Juan Manuel Suárez Japón, membro de grande relevo na Associação Hasekura, aqui a apresentar as circunstâncias únicas de Coria del Rio no que diz respeito à sua relação com o Japão e os japoneses. Com efeito, devido às publicações desta Associação, as quais têm sido feitas em modo bilingue (também japonês), verificou-se um aumento do fluxo de visitantes japoneses, algo que estreitou significativamente as relações internacionais da localidade e trouxe grande satisfação aos “japónes” de Coria.

Convidamos todos os seguidores deste blog a conhecer esta exposição e também a realizar a visita ao Paço Ducal de Vila Viçosa, seguindo os passos da embaixada japonesa que o visitou há quase meio milénio. O estabelecimento de uma geminação entre o município de Coria del Rio e o de Vila Viçosa fazem prever um futuro brilhante para a cooperação entre estas duas localidades no que diz respeito à gestão do património cultural relacionado com o Japão – que é o factor que mais as aproxima – pelo que as relações ibero-nipónicas podem ter aqui um novo fôlego. Nós esperamos que sim, e teremos muito gosto em documentar as próximas iniciativas!

(Para efeitos jornalísticos, se desejar aceder a mais fotos e vídeos deste evento, queira por favor contactar umlongoveraonojapao@gmail.com)

 

 

Origens do Hiragana

O método “O Caminho do Kanji”, que é original e exclusivo deste programa pedagógico, introduz os seus alunos à língua japonesa através de conhecimentos profundos e contextualizados na história do Oriente, privilegiando portanto uma imersão completa na cultura do Japão.

Poderá ter um vislumbre do bloco temático “Origens do Hiragana” neste vídeo introdutório. Esperamos contar com a sua presença nos nossos cursos e workshops!

Próximo workshop: 27 de Agosto, das 16h às 17.30h, em Lisboa

A partir de Setembro, aulas regulares em Coimbra.

Para solicitar a implementação deste programa noutras partes do país por favor contacte por email. Estamos disponíveis para colaborar com Escolas de Línguas, Câmaras Municipais, Centros de Cultura e Arte, e outras instituições ligadas ao ensino e à cidadania.

Inscrições 2017/18

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As inscrições para o ano lectivo 2017/18 encontram-se abertas. As aulas começarão de hoje a um mês, no dia 8 de Setembro.

O programa de Estudos Japoneses poderá ser frequentado por alunos maiores de 16 anos (sem limite de idade), tanto na sua totalidade como apenas numa ou mais disciplinas. A inscrição na totalidade do programa, por períodos trimestrais, tem vantagens para o aluno, nomeadamente por lhe dar desconto. A inscrição em aulas individuais também é possível, estando sujeita à lotação de cada aula/evento e até 24h antes do mesmo.

No primeiro trimestre do ano civil de 2018 iniciarão novas disciplinas que exigem a frequência das disciplinas leccionadas entre Setembro e Dezembro de 2018, pelo que os alunos que não se inscreverem neste primeiro período poderão não ter todas as opções disponíveis no restante ano lectivo.

Recordamos que este é o único plano pedagógico 100% dedicado aos Estudos Japoneses em Portugal, e que tem o reconhecimento da Embaixada do Japão em Portugal.

Para mais informações por favor escreva para umlongoveraonojapao@gmail.com ou na página de facebook. 

Ano novo à japonesa…

Para os alunos do curso de Introdução aos Estudos Japoneses, e para todos os outros visitantes deste blog, aqui ficam sete expressões japonesas para o ano-novo. Espero que estas sete para 2017 vos inspirem a juntar-se a um grupo de estudo da cultura japonesa, seja o nosso ou outro qualquer, que os há de norte a sul do país. Vamos fazer a cultura japonesa e a cultura portuguesa darem um abraço e entenderem-se melhor uma à outra ao longo deste ano, sim? E, de resto, votos de um excelente ano para todos!

Download de Apresentação —>   7-expressoes-japonesas-para-o-ano-novo

Recomendação de leitura: O Elogio da Sombra.

O Elogio da Sombra, uma obra de Junichirou Tanizaki (1886-1965), foi publicado em 1933 e teve a sua primeira edição portuguesa em 1999. Tanizaki é um escritor que encarna plenamente a sua geração, preocupado com a especificidade (superioridade?) da cultura japonesa ao mesmo tempo que conhece e comenta a cultura ocidental. A obra, despretensiosa e elaborada à maneira de um ensaio livre, é profundamente visual e frequentemente poética, mesmo sem imagens ou lírica. Contudo, a segunda edição (da Relógio D’Água, 2008) apresenta uma selecção de fotografias que ajudam o leitor a ter uma impressão mais nítida de algumas das considerações do autor.

o elogio da sombra

Ler o Elogio da Sombra é uma coisa que um interessado na cultura japonesa deverá fazer repetidas vezes ao longo do seu percurso de aprendizagem. É suficientemente curto para nos ocupar um dia do final-de-semana e suficientemente denso para nos dar que pensar por muitas semanas! A última vez que o tinha lido fora há cerca de cinco anos, precisamente quando estava a começar uma fase intrépida do meu percurso académico, tendo escolhido prosseguir o doutoramento na área dos estudos japoneses. Ao sentir que necessitava de inspiração voltei-me naturalmente para uma das obras que tinha lido na licenciatura em história da arte, e que ainda penso ser fundamental para entender a arte japonesa. Aliás, o texto de Tanizaki, na forma como tece considerações entre a arquitectura, o culto do chá, o mobiliário e decoração, o teatro, a gastronomia, a literatura, a poesia, e mesmo a vida mundana mostra-nos desde o princípio que as categorias de “arte” que usamos no Ocidente não servem para entender as florações de criatividade nipónicas. Não há uma separação rígida entre “artes maiores” e “menores” e a estética aparece-nos como algo fluido, entre as suas diversas manifestações.

A sombra, uma figura que passa pelas diversas experiências estéticas sobre as quais o autor discorre, serve-lhe para integrar a arte japonesa do passado na projecção da identidade japonesa do (seu) presente. Não sendo sequer enunciado que o autor conhece (e dialoga implicitamente com) as obras de Poe, Baudelaire, ou Wilde, o leitor Ocidental poderá contudo sentir que as palavras lhe são dirigidas por alguém que consegue transpor a ponte do divórcio entre culturas. Para além disso, Tanizaki é o autor de um verdadeiro feito em discurso: dirige-se simultaneamente ao leitor estrangeiro e ao japonês (a obra foi escrita apenas para o público japonês originalmente, mas um público profundamente “ocidentalizado”). Argumenta – com veemência mas sem rudeza – a favor da necessidade de preservar o que o Japão tem de japonês, mesmo depois da febre da ocidentalização, do Grande Terramoto de Kanto (1923) e da emergência do discurso imperialista.

O Elogio da Sombra é como um velho amigo que nunca nos desilude mesmo se o negligenciámos um pouco, e nunca merecerá ganhar pó na prateleira. Se ainda não teve a oportunidade de se deleitar com esta leitura considere visitar uma livraria e sentar-se um pouco na sua companhia. Duvido muito que resista a levá-lo para casa…

 

 

 

 

 

Novo artigo no BPJS

bpjs

Foi publicado um artigo meu (de 2011) no BPJS, no volume nº 1 de 2015, que por motivos de orçamento e edição só foi tornado público agora. Por vezes mesmo aquilo que já nem tínhamos esperança que visse a luz do dia finalmente aparece… Por causa deste processo demorado devo acrescentar que as ideias do artigo já não estão 100% actualizadas. A investigação avançou mais e algumas questões foram revistas. Ainda assim, na sua abordagem geral, continua a reflectir a minha base de trabalho: não dar um termo por garantido e pôr sempre questões ao COMO e ao PORQUÊ de cada coisa. Se pretender ler o artigo ele é de acesso gratuito através do site da revista.

Referência bibliográfica:

Matos, Inês Carvalho (2015) “Namban Labyrinth” , Bulletin of Portuguese / Japanese Studies, 2ª série, vol. 1, 77-108.

Para comentar, citar ou integrar num website, por favor escreva para umlongoveraonojapao@gmail.com

Informações sobre a revista:

O Bulletin of Portuguese / Japanese Studies (BPJS) foi lançado em 2000 como um jornal interdisciplinar de humanidades e ciências sociais, pelo então Centro de História de Além-Mar da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É uma publicação em língua inglesa, a única em Portugal dedicada aos Estudos Japoneses, e encontra-se indexada na ABX-CLIO, AERES, CARHUS Plus, CIRC, classifICS, ERIH Plus, MIAR, RedALyc, SHERPA/RoMEO, etc. O volume nº 1 de 2015 é o primeiro volume de uma nova fase do BPJS, com edição exclusivamente digital, sendo o painel editorial encabeçado pela Professora Doutora Alexandra Curvelo.

Pode aceder ao PDF do artigo aqui.

 

要旨

本稿では、いわゆる美術品と総称される可動性芸術遺産に適用される用語「南蛮」の起 源の再考を試みる。様式的、史的、文化的、等のジャンルの分類の基礎となる理論的・ 方法論的なアプローチを通じ、ポルトガルとポルトガル以外に存在する「南蛮」につ いての見解の潮流を比較し、その際だった差異を検証する。南蛮芸術を論じる際、芸術 としての認識に始まり、その美術作品が伝える内容、さらに付随する価値に至るまで、 複雑な迷路をさまよう感覚に陥る。本稿では既成された観念形態的な設定の解体を試み る。同時に、ポルトガルでの南蛮芸術に関する研究において、通常は考慮されることの ない(沈黙が保たれていたり、受け入れられずにいる)品々についても検討する。具体 的には、沈黙が保たれている対象がキリシタン殉教を描く作品類であり、受け入れられ ずにいる対象とは踏み絵を指す。それに加え、国際的美術品市場および21世紀に入り発 表され世界の広範囲に広まる論説でなされる偽りの価値も、南蛮美術史に関して本稿で 試みるような再評価を構築する要因となっている。その結果、美術史、美術地理学、形 状の移行についての文化研究、および「異種」の描写についての文化研究といった複数 研究分野の境界的領域に学際的研究分野が現れる。本稿は、人類が初めて経験するグロ ーバル時代に生み出され、植民地独立後の現代性の中で管理されるインパクトの前兆と なる作品の創造という観点における研究テーマとしての南蛮美術の紹介を試行する。

PDFのリンク

Cultura & História + Artes & Ofícios – compilação mês de Setembro

Aos domingos, a partir de Setembro, publicam-se pequenos artigos sobre arte, cultura e história do Japão, exclusivos da página de Facebook e do blog, criados por Inês C. Matos (historiadora de arte). No final do mês os artigos são apresentados no blog, em formato de compilação, mas sem os links para vídeos e outros conteúdos audiovisuais (para os ver visite o Facebook de “Um longo Verão no Japão”).

6.9.2015

“Tansu” é uma tipologia de mobiliário específico do Japão. A região mais famosa pela sua produção é Sendai, pelo que por vezes se chama a esses objectos Sendai-Tansu. O “tansu” começou a ser produzido na era Genroku (1688–1704) e, quando comparamos essa cronologia com os eventos do período imediatamente anterior, podemos ver que o estilo deste móvel assemelha-se um pouco aos móveis designados “contadores” que enriquecem as colecções de arte asiática dos museus portugueses.

Tal como o “contador”, que está tão ligado às condições de vida itinerantes (tem pegas, gavetas secretas para a contabilidade dos mercadores, não tem pregos nem ferros por dentro para se adaptar aos climas húmidos e viagens de barco, etc), o “tansu” também tem múltiplas gavetas, pegas laterais, a sua forma compacta e resistente é a de uma caixa, e o material predominante é a madeira. Os primeiros “tansu” assemelhavam-se muito a arcas europeias, com uma ferragem pesada e grande que fechava a tampa da arca, com um tampo plano e com uma forma baixa e larga (ainda sem muitas gavetas). Alguns tinham rodas, como os Nagamochi Kuruma, sendo esta a tipologia que mais se relaciona com a presença dos europeus no sul do Japão uma vez que os Nagamochi Kuruma foram registados como parte do inventário dos bens que existiam em Dejima (uma ilha artificial na costa de Nagasaki, criada para residência dos portugueses e, depois destes abandonarem o Japão, usada para residência dos Holandeses).

Ao longo de período Edo os “tansu” foram refinando o seu estilo, tendo-se tornado mais decorativos no período Meiji – precisamente porque as leis que restringiam a posse de bens sumptuosos foram afrouxadas.

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13.09.2015

“Kokeshi” é o nome pelo qual são conhecidas as peças de artesanato japonês que se parecem com pequenas bonecas de madeira. Na verdade as “kokeshi” não são realmente bonecas, pois não têm braços nem pernas. Trata-se apenas de um cilindro de madeira (por vezes oco) e uma bola como cabeça. A simplicidade da forma e da decoração destas bonecas fez delas um dos encantos do Japão, amadas tanto por japoneses como por turistas.

As “kokeshi” começaram a ser produzidas entre 1600 e 1700 na prefeitura de Miyagi, e supôe-se que a sua associação às termas (onzen) perto de Zaoo se deu quando começaram a vender-se como um “souvenir” regional. A sua popularidade cresceu a partir do final do século XVIII, precisamente devido ao hábito de visitar termas e trazer pequenas peças de arte dos artesãos locais. O aspecto adorável das “kokeshi” veio corresponder à imagem idealizada de uma eterna criança, à memória de ter prazer e divertimento sem culpa, e enfim ao edonismo da sociedade da época.

No entanto o mais provável é que as “kokeshi”, tal como muitos outros objectos de madeira com forma humana (no Japão e noutras culturas) tenha começado por ser um objecto com funções psico-mágicas, associada ao espírito de uma menina desejada ou falecida. A sua pintura floral e as características esteriotipadas da pintura facial parecem sugerir que não representa realmente um ser humano nem uma “boneca” (no sentido de ser um brinquedo) mas sim um objecto simbólico.

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20.09.2015

Hoje vamos conhecer uma técnica artística japonesa chamada Kintsugi. Kintsugi é ao mesmo tempo uma forma de arte e uma estratégia para remendar cerâmica partida. Quando uma peça de cerâmica se partia era hábito usar grampos de metal para voltar a juntar os pedaços, um pouco como funcionam os clips de hoje em dia nas folhas de papel. Contudo no Japão existia também uma substância proveniente da resina de uma árvore que, para além da laca, permitia fabricar uma cola resistente. Assim, começaram a reconstruir as tigelas, potes, vasos e pratos de cerâmica partidos com esta cola resinosa. A cola em si é eficiente, e também resistente à água, mas a peça não parecia finalizada. Então seguiu-se a prática de soprar pó de ouro sobre a substância resinosa (como se fazia na decoração de caixas lacadas), cobrindo assim os riscos entre as partes coladas.

Ao enfatizar a zona onde se deu a ruptura da peça e tornar o “defeito” num ornamento, a peça ganha outro aspecto. A marca de ter sido quebrada não é escondida, em vez disso torna-se num padrão de linhas de ouro, o que dá mais valor ao objecto tanto estética como materialmente. Não temos exactamente a certeza quando é que o Kintsugi começou a fazer-se no Japão mas sabemos que no século XVI já era reconhecida pelos Japoneses como uma técnica específica do seu território, profundamente ligada à estética do budismo zen e a princípios fundamentais da filosofia nipónica tais como “wabi-sabi”.

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27.09.2015 (antecipação)

Aos domingos é tempo para um post sobre arte, cultura e história do Japão.

Tive a sorte de ver uma conferência de Christoffer Bovbjerg no ano passado, logo depois de ele ter concluído o seu doutoramento e fiquei a admirar este especialista de estudos japoneses pela sua abordagem em relação à história do Japão e, de modo geral, pela sua atitude como académico. Recentemente descobri que uma das suas conferências (ainda anterior à que eu vi) está integralmente no youtube. Para quem deseja dedicar-se aos estudos japoneses é imperdivel! Nesta conferência ele fala dos períodos nos quais tradicionalmente se divide a história do Japão e o que caracteriza cada um deles. Mas, e aí está a vantagem, mantêm o espírito crítico em relação ao próprio modo de periodizar a história do Japão. É uma conferência muito interessante e com uma progressão rápida. Deve ter-se em consideração que está gravada sem legendas, em inglês, e infelizmente eu não tive tempo de a legendar para português, mas creio que está acessível a estudantes a partir do ensino superior pois a qualidade do som é boa a a dicção bastante clara.

https://www.youtube.com/watch?v=m0gDqnwJjMQ