Crítica de cinema: Futatsume no mado (Still the Water/ A quietude da água)

Naomi Kawase (n. 1969), escritora e cineasta, escreveu o argumento e realizou este filme como se fosse mais um dos seus projectos como professora de fotografia e artes visuais (ensina na Escola Superior de Fotografia de Osaka) – com uma dedicação absoluta à luz, paisagens e costas de Amami. Esta ilha, um lugar paradisíaco e uma bolha cultural diferenciada dentro do Japão, é a verdadeira protagonista do filme. Mas, para efeitos de desenvolvimento da narrativa, existe uma personagem bem humana que acaba por ser a encarnação da ilha e da sua espiritualidade única: a jovem Kyoko, que nos chega pela interpretação da actriz Jun Yoshinaga. Com ela contracena Nijiro Murakami, no papel de Kaito. O envolvimento dos dois adolescentes é inevitável e claramente representam o princípio masculino e o feminino numa lógica mais vasta de complementaridade de princípios universais (ying-yang), de modo que a história tanto tem uma leitura realista e imediata como metafísica e profundamente xintoísta.

O filme, erradamente traduzido para “Still the Water”/ “A quietude da água” (a tradução literal do título japonês seria “A segunda janela”, no sentido budista de Segunda-Vida ou Verdadeira-Vida) teve muita representatividade em festivais e salas de cinema por todo o mundo, em grande parte porque os espectadores se sentem cativados pelas praias tropicais e pela emergente sexualidade dos dois jovens, mas as críticas que lhe têm sido feitas mostram como tanto os críticos oficiais como a audiência generalizada passaram ao lado das chaves interpretativas do filme, que aliás não são nada crípticas ou inacessíveis. A Time Out, a Variety, e muitas outras publicações arrasaram este filme, e também na internet se afirmou a opinião de este ser um filme “ingénuo” e com “falta de triller” (hitfix.com). A audiência norte-americana, por exemplo, parece ter ficado particularmente chocada com a cena de sacrifício de uma cabra (para rituais religiosos), o que necessariamente significa sangue a escorrer no ecrã com um oceano brilhante e palmeiras ao fundo. Para o público que se sente defraudado por estar à procura de um filme de mistério ou de um romance fácil a resposta é só uma: não vieram ao sítio certo.

Futatsume no mado é uma experiência tranquila, quase de meditação. Para os mais inquietos assumo que pode chegar a ser um filme aborrecido, já que tem quase duas horas, mas também é verdade que a beleza de cada cena nunca nos deixa fechar os olhos. Quem estiver atento ao prólogo, os primeiros cinco ou dez minutos do filme, claramente percebe que este é um ensaio visual sobre as forças naturais. São-nos apresentados o Mar, o Sangue (vida), a Lua (inconsciente, ciclos), a Música e a Dança, isto antes mesmo de qualquer (outra) personagens ou “plot”. Em algumas das cenas fundamentais do filme a acção (ou falta dela) é uma mera ferramenta para colocar em exposição o papel dos deuses no destino dos homens, bem como a pergunta sobre o que permanece (se permanece) da existência terrena, daí o título do filme ser a “Segunda Janela”, ou seja, a passagem para a Verdadeira Vida, num sentido xinto-budista e profundamente identificado com a espiritualidade das comunidades etnicamente diferenciadas de Amami.

Filmado parcialmente com câmara na mão e assumindo até um tom documentarista em grande parte das cenas, tirando partido de habitantes locais não como uma solução de recurso mas como uma mais-valia (Naomi Kawase faz frequentemente uso de uma mistura entre actores profissionais e amadores) e com  momentos musicais em dialecto, este é um filme que joga propositadamente com o cenário de paraíso para nos apresentar o que é efémero e o que é permanente do ciclo da vida.

Do ponto de vista dos diálogos podemos considerar que seguem a mesma lógica das imagens: o que se diz é tão importante como o que não se diz, assim como o que se mostra é tão importante como o que não se mostra (na estética tradicional japonesa o que se vê/ilumina e o que não se vê/sombra são igualmente considerados para a modelação dos espaços, para a pintura e para o cinema). Este e outros temas da cineasta são aliás recorrentes, assim como as tatuagens, as cenas em família com ternura e cumplicidade, e os valores espirituais do animismo.

still the water

Este é o filme ideal para uma noite quente de Agosto, antes de mais porque também é no Verão que a acção decorre, e depois porque nos faz mesmo ir observar as estrelas e ficar a meditar sobre o que acabou de nos acontecer.

Quando (mais) uma porta se fecha e (mais) uma janela NÃO se abre…

Há pouco mais de um mês enviei um email para a Fundação Japão/Japan Foundation, uma instituição dependente do Governo do Japão mas com a função de apoiar projectos culturais fora do Japão. Infelizmente (e incompreensivelmente) a Fundação Japão não tem qualquer representante ou escritório em Portugal nem reconhece a Embaixada do Japão em Portugal como seu representante, por isso quem pretender dirigir-se à JF para pedir apoios para projectos culturais tem de escrever para a sede europeia (no Reino Unido) ou directamente para o Japão. Foi o que eu fiz.

Normalmente sou pouco paciente, reconheço… Mas como disse passou um mês e não tive qualquer tipo de resposta (apesar de repetir o envio). Por isso vou resolver a minha assumida frustração partilhando com os meus leitores e os visitantes ocasionais deste blog o email que lhes enviei. Se, depois de lerem isto e de verem por vocês mesmos tudo o que foi feito, também a vocês vos parecer que não há nenhuma razão para apoiarem o meu projecto e nem sequer mereço resposta então por favor façam-me saber que perdi o juízo e este é um barco afundado. Como se costuma dizer: se três pessoas te dizem que estás doente pôr-te na cama.

Dear Sir or Madam,

My name is Inês Matos, I’m a portuguese researcher on Japanese Studies, a PhD. Student in Coimbra University, an author of books about Japan, the creator and manager of the non-profitable cultural project “Um longo Verão no Japão” (it means “a long summer in Japan”, as in “since that long…”). The name came from my first photography exhibition after returning from my field work in Japan in November of 2012.

Since early 2013 I’ve been developing contents in portuguese language about Japan and using a facebook webpage to gather followers in Portugal and within the portuguese communities overseas, as well as in Brazil since they also speak portuguese and can enjoy the contents on the webpage.

I’ve worked all alone, with my own means and supporting it all by myself for this past two years and a half (even my field work as a researcher came for my own savings). Within that time period I’ve presented Japanese art and culture (I’m an art historian and cultural heritage expert) in schools, libraries, city halls, universities, cultural associations, and alike.

I’ve also done pro bono counseling to scholars, artists and writers in order for them to get their works known in Japan, using the contacts I’ve stablished there; and I’ve also helped groups (such as the scouts) to plan their trip to Japan.

Many of my texts, like the ones gathered under the title “Survivor Guide” are available on line for free.

Video-conferences for students and many other videos are available on my youtube channel, both in portuguese and english.

I’m very proud of what I’ve achieved so far with just sheer will and hard work. But right now I must turn to you to request information and guidance about what to do in order to keep this project going.

In December of this year I will lose the scholarship I’ve been living on. It wasn’t much but it allowed me to use all my time to learn about Japan and use all my free time for this non-profitable project. I even used part of the scholarship to pay for expenses such as creating exhibitions, traveling to remote areas of the country in order to give lectures, and so on. Without the scholarship I will no longer be able to support this project all by myself neither will I have any free time to do it since I will have to search for an income of my own.

It would be a pity for this project to end just because it can’t support itself. The results it achieved precisely because it was of open access and so close to people were immense when we consider that in Portugal there’s very few people aware of japanese studies and about the relation between Portugal and Japan.

I’m not sure how Japan Foundation can help support this project but I address you my plea. Please visit the FB page, the YT channel, the WP blog and see for yourself. Of course I’m available for your questions and eager to ear your suggestions. I can also say that the Japanese embassy in Portugal and the Embassador Mr. Azuma can provide their view about me and my work in Portugal.

Upon your request I can also send a detailed report about all the results of the cultural project “Um longo Verão no Japão” in this past years and the expectations and ideas to be implemented in the future.

Yours sincerely,

Inês Matos

Entrevista a Tiago Espírito Santo, autor do blog Tiago in Tokyo

Tiago Espírito Santo é o autor de um dos melhores blogues sobre portugueses a viver no Japão (um tema que tenho explorado nos últimos anos para fins de investigação académica). O blog “Tiago in Tokyo” é no entanto uma coisa à parte, poética mas ao mesmo tempo com uma dose de concreto que nos desarma, cuidado mas sem o verniz de blogues “de vitrine”, com toneladas de conteúdo e uma visão muito pessoal. Realmente um blogue de viagem, tanto porque a conta como porque a proporciona a quem lê.

Em seguida transcrevo partes da entrevista que fiz ao Tiago em 2011, a qual acabou por não ser integrada em nenhuma publicação mas que ainda assim é um pedaço de leitura e de partilha interessante. Já que a forma de escrever do autor é uma parte importante da sua identidade acabei por não alterar praticamente nada, para além da edição dos excertos.

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Fui para o Japão através do Programa INOV-Contacto. Fui seleccionado para o estágio e na fase de formação ainda em Portugal, quando ainda não se sabem os destinos, lembro- me que tinha 5 destinos preferidos: Austrália, Cabo Verde, Chile, China e Japão. Quando “saiu” o Japão fiquei muito contente com a possibilidade e tinha de a aproveitar.

Em 300 estagiários, fui o único a ser enviado para o Japão e penso que o meu CV influenciou essa opção pois eu lá faço (sic) referencia ao meu fascínio por viagens, choques culturais, experiências exóticas, etc. Posso dizer que me adaptei com muito à vontade à cultura japonesa. Finalmente poderia combinar com amigos e não ser eu o único a chegar a horas… A bolsa era de 9 meses e incluía o transporte e um subsídio mais do que suficiente para a vida em Tóquio.

Tive aí uns dois meses para me preparar antes da ida para o Japão. Em relação ao idioma comecei logo a estudar sozinho… através de livros de bibliotecas, cursos on-line, livros “sacados” da net, etc. E um dia estava eu em Coimbra telefona-me um amigo a dizer-me para eu aparecer no campo de futebol da AAC/OAF, do outro lado do rio, porque estava a ver um treino da Academica dos estudantes e havia um japonês a treinar e uma senhora japonesa a ver o treino com uma bandeira japonesa.E foi assim que fiz os meus primeiros amigos japoneses, Sumiko-san, que vive há muitos anos em Coimbra, e o Kosuke, que estava a estudar português em intercambio. Por coincidência, a Sumiko-san conhecia muito bem uma das senhoras com quem eu iria trabalhar em Toquio (na Agência do AICEP) e, claro, convidei-os para vir jantar a minha casa e foram-me dando uns conselhos sobre a vida em Tóquio.
Comecei logo a ler Wenceslau de Moraes e tudo o que podia sobre o Japão.

Na altura lembro-me que li Wenceslao e um livro chamado Sushi Bar (que não me satisfez muito)… Wenceslao era como uma viagem no tempo, ao Japão antigo. Era fascinante. Sobre, por exemplo, Sushi Bar, eu não queria preparar-me para o choque cultural por isso acho que deixei o livro sem ter terminado o primeiro capítulo. Queria estar virgem de saber o que outros portugueses que tinham ido recentemente ao Japão tinham sentido… Queria descobrir por mim próprio, sem ter observações condicionadas. Ler Wenceslao foi também começar a descobrir a relação antiga entre Portugal e Japão, e como o Japão é um país que obriga a uma certa “conformização” de costumes, ou seja, ou se aceita como se lá vive e se fazem as coisas, ou então é melhor desistir, porque tentar alterar uma cultura milenar tão forte é, arrisco, impossível. É o tal provérbio japonês: “o prego que sobressai, logo será amassado…”

Objectivos a partida… ia absorver ao máximo a cultura, toda a experiência cultural. Lembro-me que estava muito tranquilo com a ida. Parecia-me como um deja-vu muito grande, algo natural que me estava a acontecer na vida.

Sabia que ia trabalhar numa área que não era a minha (formado em Multimédia, ia fazer estudos de mercado para a Embaixada Comercial de Portugal…) e umas das minhas intenções era poder conseguir ter trabalhos mais criativos, o que acabou por se realizar dentro do estágio no AICEP, além de que neste estágio pude trabalhar com pessoas com quem aprendi muito, em termos de metodologia e exigência de trabalho. Enfim, afinal estava no Japão. E eu que sempre fui brioso, estava nas sete quintas…

Queria também conhecer o Japão rural, viajar, conhecer por dentro a cultura, e tudo isso foi acontecendo naturalmente. Até hoje, ainda não conheci uma casa onde me tenha sentido tão em casa como quando vivia no bairro de Kagurazaka, em pleno centro de Tóquio, que parece uma viagem no tempo. Se há imagem que terei guardada na memória até ao fim da vida foi a do dia em que chegando a casa sob uma chuva miudinha, passou por mim na minha rua uma gueixa (só nesse bairro existem em Toquio) caminhando com as sandálias pokkuri e um chapéu de chuva antigo, amarelo, e foi uma imagem mágica que me provocou tamanha adrenalina que mal consegui dormir nessa noite.

Aprendi muito do “gaman-suru”, “ganbatte!”, de lutar sempre e sempre pelo que queremos. Aprendi que se deve pensar bem antes de falar, organizar o pensamento antes de verbalizar. Os japoneses são mestres em pensar antes de fazer. Atingir o perfeccionismo profissional… Também acho que até certo ponto a cultura de manter o ambiente calmo num grupo é saudável, em vez de um ego tentar sobressair e destruir uma equipa.

A simplicidade estética japonesa também me marcou. Acho que é wabisabi? A impermanência das coisas, o minimalismo de menos é mais para chegar ao belo e à paz. E muitas coisas mais… Estar num lugar e vir para outro altera a nossa percepção do lugar onde chegamos. Chegar do Japão a Portugal foi certamente muito diferente de chegar da Colômbia a Portugal, como fiz recentemente. Os dois “Portugais” que encontrei são diferentes.

Lembro-me que cheguei a Portugal no Inverno e era-me muito estranho caminhar nas ruas de Coimbra, de Lisboa… Sentia-me muito estrangeiro, como sempre, aliás, mas mais ainda vindo do Japão. Lembro-me de ter a distância de ver um povo de braços em baixo, triste, pobre e acabrunhado, carregando nos ombros emoções melancólicas e pouco mexido. Voltar a Portugal foi também voltar à falta de pontualidade e desorganização…

1001 palavras

“Uma imagem vale mais do que mil palavras” é uma expressão que já entrou para o nosso dia-a-dia, apesar de a origem ser chinesa e alegadamente de Confúncio. No entanto o seu uso no Ocidente perverteu parcialmente a moralidade subjacente, já que na origem a expressão remetia para a questão da escrita ideográfica e a ligação entre as imagens propriamente ditas e as palavras escritas. Assim, cá por estas partes do mundo, a expressão passou a ser mais ou menos o mesmo que um grito de guerra em defesa das imagens e implicitamente contra os excessos de discurso, como se as imagens fossem mais puras, mais autênticas, mais carregadas de verdade do que qualquer palavreado poderia ser.

Para mim, que para além de historiadora de arte (com uma paixoneta forte por museus e colecções) também escrevo e descrevo com o uso da palavra, esta rivalidade mal resolvida nunca me cativou. Nem uma imagem vale mais ou menos que mil palavras, nem as palavras e as imagens são coisas assim tão diferentes. A imagem (como o nosso querido pintor dos cachimbos já mostrou) é ela própria uma construção narrativa – ainda que não verbal – de discurso, e nenhuma imagem é a realidade em si. Por outro lado, tanto as palavras como as imagens servem a necessidade humana de representar uma impressão que se teve da realidade ou uma ideia que emergiu na mente. Em potência, são ambas comunicação e expressão, e toda a maravilha da arte e da literatura veio depois disso. E mesmo, se me perdoarem o atrevimento, o bom jornalismo.

Mas, claro, uma coisa é discorrer sobre isto e aquilo, e outra é pôr o nosso nome e cara em jogo. Quando comecei a fazer exposições das minhas próprias fotografias, a escrever os meus próprios livros, a dar aulas com as minhas próprias ideias sobre arte, objectos e imagens, a coisa ficou mais, digamos, pessoal. Ao apresentar uma leitura sobre as imagens estava claramente a tornar as imagens em cadeias verbais, a atribuir significados e tudo o mais que elas, só elas, não tinham. Quem me ouvia/lia naturalmente poderia ignorar tudo isso e criar a sua própria interpretação, algo perfeitamente legítimo, mas não seria nunca exactamente o mesmo sem a sugestão/confrontação/aceitação ou recusa da palavra em si, que neste caso lhe estava a chegar por mim. Pôr imagens nas palavras (quando tinha uma teoria a demonstrar) ou palavras nas imagens (quando estava a interpretar ou analisar o que eu via como sendo o seu conteúdo) passou a ser não só uma grande parte do meu trabalho mas também uma fonte de inquietação filosófica. Eu estava a meter-me no domínio do cachimbo e não tinha bem a certeza se essa era a minha praia…

Ainda assim é uma viagem sem retorno, da qual não me arrependo e que todos os dias renovo. Ainda não explorei tudo o que há para fazer nesta aventura de procurar “ler” as imagens – sobretudo as fotografias do Japão ou de arte – e também ainda não cheguei propriamente a uma conclusão no ramo da Antropologia Visual que me permita apresentar um método ou uma tese. Deve ser realmente confuso para quem me lê que eu não tenha nenhum critério do que é o certo e o errado na leitura de uma imagem, pois parece ser essa a preocupação do rol de académicos (e parte da explicação de eu não ter lá muito reconhecimento junto dos mesmos…). A verdade é que me interessa muito mais o processo de descoberta, o espaço que vai de “o que é isto?” até às respostas que obtenho, e depois ir por aí a apresentar a minha proposta sem querer também converter ninguém ou apresentar dogmas. Nas minhas exposições eu mostro as imagens como portas para muito mais do que elas, objectivamente, mostram. Mas também não digo que não se possa intuir e sentir tanto ou mais pela contemplação atenta e sem a bengala da visita-guiada. As coisas que as pessoas vêm nas imagens interessa-me bastante, e é com grande gosto que as oiço (pena que geralmente os visitantes sejam tímidos e os alunos calados), retenho o que elas tiveram a amabilidade de partilhar comigo e não raras vezes acabo por o apontar para reflexão futura.

O que eu não suporto mesmo são os fundamentalismos, sobretudo se forem disfarçados de cientificidade. Do género “isto é isto porque se vê aqui que sim”. Qual é o problema de estender o discurso, de contextualizar a situação, de questionar? Vou dar um exemplo que pode ofender algumas crenças de estimação: os documentários. Amigos, os documentários são discursos como os outros, pode dizer-se o que se quer num documentário e arranjar gravações para o ilustrar. Os documentários, e aliás também as fotografias dos jornalistas, não são isentos de selecção, edição, e contextualização. E nem sequer estou a falar de ferramentas digitais de manipulação de imagem, é muito mais simples do que isso. A mera escolha de certas imagens – paradas ou em movimento – e a arte de as tecer com certas frases pode criar produtos que vão do propagandístico à mentira descarada, passando pelo inocentemente desinformado, pelo equivocamente infundado, e por muitos outros tipos de não-fez-o-trabalho-de-casa disfarçados de outras coisas.  Eu procuro alertar para isto tendo em consideração que eu própria fiz uma-espécie-de-documentário (o do Património de Cristianismo no Japão) contra as visões homogéneas e falseadas de muitos documentários e reportagens que vi por aí.

Mas não quero acabar este artigo com o tom de quem faz investigação em Portugal. Vamos voltar às imagens, à oportunidade que nos dão de fazermos essa pergunta que começou tudo e que começa tudo em cada novo dia: O que é isto? No fundo, é como quando voltávamos a fotografia para ver o que estava escrito por trás, e tudo o que vem depois…

As imagens inundam-nos, a tecnologia ao nosso dispor parece fazer esquecer que podemos maravilhar-nos com elas e com as perguntas que elas nos sugerem, mas podemos. E se a inquietação filosófica for um efeito colateral, que seja bem vindo.