Séries para ver em japonês

 

capa ainori

Ver uma série numa língua estrangeira pode ser uma excelente forma de nos mantermos expostos a essa língua. E agora, visto que temos menos oportunidade de contacto pessoal e directo, as séries podem dar uma ajuda aos estudantes de língua japonesa em Portugal. Contudo, é preciso ter em conta certos aspectos:

A série deve ser realista, ou então uma série do estilo “reality tv”, para que a conversação seja natural, o menos editada possível para efeitos dramáticos (porque esse tipo de conversação não é realmente usada no dia-a-dia japonês).

A série deve tratar aspectos da sociedade japonesa que sejam actuais e relevantes, de modo a permitir que a imersão seja não só linguística mas também cultural.

A série deverá ter, idealmente, o uso de língua japonesa em registos diversificados, ou seja, com diferentes níveis de língua (formalidade/informalidade), dialectos e sotaques, vocabulário, etc.

Por fim, é importante que o tema da série seja adequado à idade e à capacidade de entendimento subjectivo de quem a vê.

Em relação ao uso de legendas (em português ou numa outra língua que o espectador domine), isto depende do nível de entendimento de japonês de cada um. Nesta série que recomendamos, o aluno intermediário/avançado poderá ver facilmente sem legendas. O aluno de iniciação necessitará de legendas, mas pode usar a série como apoio ao estudo na medida em que proporciona uma ocasião de exposição ao registo sonoro da língua japonesa. E, porque não levar algumas anotações para as aulas e apresentar questões ao seu professor/a de japonês?

ainori | Tumblr

Encontrámos recentemente uma série que cumpre todos estes requisitos e que para além disso ainda lhe soma alguns. A saber:

É uma série que permite a quem a vê “viajar” por todo o sudoeste asiático e constatar as reacções, gostos e interacções entre os viajantes, que são japoneses. Portanto, ficamos a conhecer o modo como os japoneses convivem uns com os outros, comunicando e resolvendo problemas, mas também somos testemunhas do modo como estes mesmos japoneses se relacionam com as diferentes pessoas e situações do sudoeste asiático que vão encontrando.

Ainori Love Van: Ásia Netflix série - Filmes-Online.pt

Nesta série tratam de forma profunda, reflexiva e compassiva vários assuntos problemáticos e mesmo tabu no Japão, como por exemplo a questão de Taiwan (no contexto da política internacional), o tema dos direitos humanos das pessoas LGBT e a sua percepção pelo resto da sociedade, os jovens adultos que têm vidas muito isoladas por causa de traumas de saúde mental ou por causa de terem sido vítimas de bulling, entre outros.

Nesta série, devido ao modo como foi editada, são usadas profusamente “legendas” em japonês (kanji/kana), para enfatizar certas frases ou comentar certos momentos. O facto de surgir texto em japonês no ecrã, correspondente ao que é dito e até empolando certas expressões com diferentes artes gráficas, permite a quem vê praticar o japonês ouvido e lido, e eventualmente até enriquecer o seu conhecimento de kanji e de vocabulário.

Veja o vlog em que descrevemos a série ( SEM SPOILERS) e explicamos porque é que os alunos de japonês devem assistir:

Aprender japonês com séries – III

Nos primeiros artigos dedicados a aprender japonês com séries já cobrimos grande parte da questão da metodologia. Neste artigo vamos dar exemplos práticos a partir de uma nova recomendação de série.

A série chama-se “Sutekina sen taxi”, ou seja, o Taxi de qualidade superior. Na internet também a encontram com o nome Time-Taxi (se procurarem versões legendadas em inglês).

Sutekina Sen Taxi-p01.jpg

Nesta série há temas distintos entre cada episódio, por isso é fácil criar um dossier com temas de estudo por cada episódio. Para além disso, essa estrutura introduz sempre personagens novas, com novas formas de se expressarem. A narrativa é simples e não nos distrai da aprendizagem da língua. Basicamente existe um taxista e o seu taxi, os quais se comportam em tudo como um taxi normal no Japão, excepto no facto de – para certos clientes – ele oferecer o serviço adicional de viajar ao passado para ajudar os seus passageiros a fazer diferentes escolhas nas suas vidas. Em alguns casos o taxista claramente envolve-se com o drama do passageiro, e quer ajudá-lo a todo o custo. Não é uma série desprovida de adrenalina, mas não é decididamente uma série com muita coisa a acontecer ao mesmo tempo. Há uma clara prioridade na comunicação: primeiro entre o taxista e o passageiro (para que aquele o possa ajudar), depois entre o passageiro e as outras pessoas na situação do passado que ele revisita (para que a possa mudar), e por fim entre as pessoas do café onde o taxista vai muitas vezes – e que são aquilo que não muda ao longo da série.

O primeiro episódio abre com o nosso taxista a observar atentamente o menu do café. O nome do café (“Choice” em inglês, ou seja “Escolha”) e o facto de estar impresso na capa de um menu já é uma dica para o tema da série: as escolhas de vida e a ideia de “voltar atrás no tempo” para fazer escolhas diferentes. As séries japonesas estão cheias de pequenas referências como esta…

A primeira fala da série não é do taxista, mas sim da empregada do café, a qual – claramente farta de esperar – faz ainda um esforço por ser educada e pergunta:

“Ano… Okimari desu ka?” = Hummm… Já se decidiu?

Kanji: 決 – decidir, determinar, chegar a um acordo

Note-se como a empregada diz okimari desu ka = お決まり ですか?(leitura do verbo: おきまり) que é a forma educada, já que num discurso informal se usaria “Kimeta?” = 決めた?Dentro dos vários níveis de linguagem, os empregados de café ou qualquer outra pessoa que, no exercício da sua função esteja ao serviço de outros, vai naturalmente usar este nível mais formal.

O taxista ainda não decidiu e por isso responde-lhe:

“(T)chotto matte moraimasu.” = Espere mais um bocadinho.

ちょっとまってもらいます.

A escolha de resposta dele está conforme o nível de linguagem anteriormente usado. Não se conhecem, são apenas cliente e funcionário. Entre amigos chegados poderia usar-se apenas “(T)chotto mate kudasai” ou até sem “kudasai”.

Com a resposta do taxista a empregada do café perde um pouco a paciência. Apesar de o seu tom de voz continuar baixo e calmo não deixa de desabafar:

Daibu matte masu kedo. = À espera já estou eu há muito tempo.

だいぶ待ってますけど

Kanji: 待 – aguardar, depender de

“Daibu” é usado geralmente para expressar algo que foi demais, mais do que o esperado pelo menos. Pode fazer-se equivaler à expressão “consideravelmente” mas na linguagem corrente é usado sobretudo para expressar “Em vez disso (o que quer que tenha sido dito antes) deveria considerar-se que…”. Gramaticalmente é simultaneamente um advérbio e um adjectivo.

Por exemplo, se alguém disser que gasta muito dinheiro em livros podemos responder com a frase:

私は図書館の本をだいぶ借りた / Watashi wa toshokan no hon o daibu karita

pode entender-se como:

  1. Eu peço emprestados livros à biblioteca. (ou “da biblioteca” já que se usa の )
  2. Eu prefiro pedir emprestados livros à biblioteca (em vez de os comprar).

Querem ver o resto do episódio? Força! Mas não se esqueçam de estudar japonês 😉

Clique aqui para ser encaminhado para um website externo no qual poderá ver o primeiro episódio desta série.

 

 

Aprender japonês com séries – II

Para saber mais sobre os objectivos desta rubrica por favor leia este post. Para saber mais sobre a primeira recomendação desta rubrica, que é uma série de animação, leia este post.

Como a principal preocupação aqui é ajudar os nossos alunos de língua japonesa e todos aqueles que estão a procurar aperfeiçoar o seu japonês, vamos focar-nos agora em recomendações práticas e metodológicas. Independentemente da idade, género, preferências e gostos do aluno, é importante ter em mente que o primeiro requisito para um estudo bem sucedido é a metodologia. E se a palavra o incomoda basta substituí-la por “atitude”. Se o aluno simplesmente vê as séries, passivamente, colherá apenas benefícios mínimos da experiência imersiva da qual falámos no primeiro post desta rubrica. Por outro lado, se a sua “atitude” for activa, a série servirá para lhe abrir as portas da língua japonesa sem contudo deixar de lhe proporcionar prazer/entretenimento. É certo que pode ser incómodo, ao início, instrumentalizar assim uma série e interromper os episódios constantemente, mas ao entender as subtilezas de discurso e de drama que antes lhe estavam vedadas irá desfrutar ainda mais do programa que está a ver.

Para sabermos mais sobre esta “atitude” vamos começar por uma expressão japonesa:

テレビを見ることは受動的活動である。(Ver televisão é – por definição – uma não-actividade / é passivo.)

A palavra-chave da expressão acima é 受動的  (leitura: じゅどうてき), que transmite a ideia de não-acção, passividade, contemplação, quietude, sentido acrítico.  Pode ser o ideal para um passeio no bosque, a meditação zen ou a visita a uma galeria para contemplar obras de arte, mas não é considerado algo positivo quando o observador está exposto aos media e muito menos quando está a procurar aprender alguma coisa com eles. Por isso, em vez de 受動的, o aluno deve procurar ser 能動的 (leitura: のうどうてき), isto é, activo. O primeiro kanji ( 能 ) diz respeito à habilidade, talento ou capacidade, e o segundo kanji ( 動 ) apresenta-nos os valores (ambíguos) do movimento, mudança, choque ou convulsão. Ter uma atitude 能動的 não é só ser activo mas também saber usar a dinâmica da actividade para enriquecer ainda mais os talentos que já possuí, usando por isso a habilidade que já tem de modo incipiente para a aumentar exponencialmente.

A partir deste ponto é necessário fazer uma diferenciação na metodologia: de um lado há aqueles que necessitam de legendas na sua língua materna (ou inglês, que é mais frequente), e do outro há aqueles que avançam mais se virem as séries com legendas em japonês. O “segredo” de um estudo bem sucedido é a adequação das capacidades que se pretendem adquirir com aquelas que já se têm, pelo que as ferramentas a pôr em prática são diferentes conforme o nível de proficiência do aluno.

Para um aluno que veja a série com legendas na sua língua (ou numa outra língua que domina bem) também se aplica o que se dirá a seguir para os alunos mais avançados, mas com ligeiros ajustes. O aluno de iniciação pode fazer, por exemplo, um dicionário de expressões coloquiais, ou mesmo um quadro de falas típicas de cada uma das personagens, o que o ajudará a compreender o discurso quotidiano e a correspondência entre perfil da personagem e nível da linguagem utilizada. Para que esta estratégia funcione é importante que as legendas tenham sido bem colocadas, o que infelizmente nem sempre acontece nos serviços de fan-sub (fãs que criam as legendas de modo amador, colocando assim as séries disponíveis em sites de acesso gratuito).

Para o aluno que já consegue acompanhar uma série com legendas em japonês, deverá fazê-lo. Mesmo em serviços de visualização tão comuns hoje em dia como o Netflix e o Hulu essa funcionalidade existe. Aliás, ao escolher as legendas em japonês, o número de séries disponíveis será automaticamente seleccionado, já que as opções variam de país para país. A principal vantagem de estar a ler as legendas em japonês ao mesmo tempo que se ouve é que essa experiência é muito próxima da experiência escolar e exige logo uma postura mais concentrada (em vez do “binge-waching”). O aluno tem uma confirmação instantânea do que conhece e do que não conhece no vocabulário e pode fazer as pausas necessárias para criar um dicionário de novo vocabulário adquirido. Mas  fazer “pausa” uma vez não chega, é necessário voltar atrás tantas vezes quantas necessárias e ouvir de novo o vocabulário ou frase recém-adquirida, desta vez com os olhos fechados para se concentrar na aquisição da memória sonora.

Escusado será dizer que este exercício corre melhor quando se faz sozinho, a menos que dois ou mais alunos se encontrem exactamente no mesmo nível e com as mesmas características de aquisição da língua japonesa, o que é extremamente raro. Mesmo entre alunos que tiveram aulas na mesma turma desde o início há aqueles que aprendem mais pelo ouvido, os que se fundamentam na gramática, os que têm a escrita mais avançada que a pronúncia, etc. Por isso, essencialmente, o exercício em si é para se fazer a sós e com a atenção indivisa. Depois, numa segunda ou terceira visualização do episódio, já pode fazê-lo com amigos/colegas e até eventualmente desfrutar mais de outros elementos que ficaram em segundo plano quando estava focado em aprender a língua, como por exemplo os cenários ou a banda sonora.

Para além da abordagem 能動, ou mais exactamente por causa dessa abordagem, é importante escolher séries em que o uso da língua seja realista. Note-se, não se está aqui a dizer que a série em si tem de ser realista, pois até escolhemos apresentar como primeira sugestão uma série em que os animais falam… Mas é realmente importante que a referência que vai ser usada para estudo seja um reflexo do uso da língua japonesa actual, quotidiana e correcta. Séries que sejam até extremamente realistas – por exemplo uma série de tema histórico que se foque em Sengoku Jidai (no período dos Reinos Combatentes, séc. XV d.C) – podem ter muito interesse para um certo tipo de alunos, mas se os diálogos são todos num japonês histórico ou arcaico isso não vai ajudar quase nada o aluno que pretende adquirir conhecimentos sobre a língua japonesa no século XXI. Na verdade, no que diz respeito a expressões coloquiais ou mesmo gíria, até conteúdos tão recentes como os anos 90 do século XX podem ser demasiado “datados”. Por exemplo, a expressão ちょうベリバア, em que ちょう é o prefixo informal para “super” e ベリバア é o neologismo com origem no inglês “very bad”, foi uma expressão típica do movimento gyaru dos anos 90 mas quem a usar em voz alta hoje em dia irá parecer muitíssimo desactualizado, um pouco como se dissesse “bué” (que também esteve na moda na cultura juvenil em Portugal há alguns anos atrás). Consequentemente, é preciso ter cautela com o vocabulário das chamadas “expressões idiomáticas” e com expressões datadas. Pode ser divertido descobri-las, mas não seria nada divertido usá-las no contexto de conversação com alguém que tenha o japonês como língua nativa.

O terceiro aspecto que necessitamos de apontar aqui é a questão da aquisição de hábitos, ou seja, “a repetição faz a perfeição”. O aluno deverá prever que não vai aprender muito nem colher imediatamente os benefícios da primeira vez que faz este exercício, e talvez até nem da primeira série que “estuda” desta maneira. Com efeito, pode até nem ser pela falta de experiência neste tipo de exercício mas sim por critérios que dependem mais da escolha da série (actores, tema, duração, etc). Contudo, é importante ter consistência e praticar mesmo assim. Normalmente depois de alguns episódios já se sentirá muito natural a fazer este estudo. Portanto, a primeira série que se escolhe para praticar “aprender japonês com séries” deverá ser mais para praticar o método em si do que pelo que pode aprender com a série, e nesse caso deverá até escolher uma série com um japonês muito básico. Numa segunda série poderá aumentar o grau de dificuldade e assim sucessivamente.

Recomendamos que experimentem a série ビューティフルレイン (Beautiful Rain), porque a maior parte dos diálogos são entre um adulto e uma criança (pai e filha) e por isso são muito simples na sua estrutura e com um vocabulário muito acessível. Esta série também não está “datada” porque é de 2012 e o tema é um dos mais comuns nas séries do tipo “para toda a família”: como lidar com a doença debilitante e/ou fatal no seio das relações familiares. Se já vê séries japonesas saberá como este argumento é comum, essencialmente porque permite apresentar grandes momentos dramáticos e explorar o tema da dependência como fundamento do amor (algo muito especificamente nipónico).

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Aprender japonês com séries – 1

しろくまカフェ

Shirokuma Café, isto é, O Café do Urso Polar, foi originalmente criado por Aloha Higa como manga e depois adaptado a anime em 2012. Aqui iremos tratar da sua verão como série, neste caso série de animação, já que esta rubrica se dedica a conteúdos audiovisuais. Para darem uma vista de olhos ao manga, e terem uma ajuda a ler o primeiro capítulo, consultem este vídeo da Misa-san.

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A série parte do princípio que os animais (ou pelo menos alguns deles) vivem naturalmente entre os humanos, com um modo de falar, comportar-se e viver que é em tudo igual ao dos humanos. Sendo assim, há um certo urso polar que gere um café, localizado numa simpática casinha de madeira no meio de um jardim. O urso polar é uma personagem muito curiosa, e é precisamente a sua personalidade única e sentido de humor surpreendente que dão encanto a esta série. O urso polar simplesmente adora jogos de palavras, e gozar um pouco com os amigos ao mesmo tempo que mantem uma expressão composta e uma sobriedade genial. Outra personagem central é o pequeno urso panda, um adolescente imaturo que é obrigado a procurar um part-time pela própria mãe, que estava farta de o ver desperdiçar tempo em casa. O panda é um tanto egocêntrico e insensível, mas de algum modo nunca chega a ser detestável porque realmente é adorável na sua imaturidade. Junto com o pinguin (que tem um drama pessoal de natureza amorosa) e outros frequentadores habituais do café, a série vai mostrando o dia-a-dia deste grupo de personagens, ao qual não faltam também os amigos humanos.

Para além de ser uma série de grande qualidade gráfica, com peripécias que nunca deixam definhar o enamoramento inicial e personagens muito consistentes e em constante desenvolvimento, o maior ponto a favor do Shirokuma Café para os estudantes de língua japonesa é precisamente o facto de esta série ter sempre, em cada episódio, momentos divertidos ligados aos jogos de palavras, aos equívocos com a língua ou aos múltiplos significados das expressões japonesas. Para fãs de trocadilhos, ou para quem quer perceber os encantos sádicos do japonês, esta é a série perfeita.

Exemplo dos jogos de palavras típicos desta série – vídeo

Dependendo do nível no qual se encontra o aluno, esta série pode ser vista com legendas (existe disponível com legendas em inglês) ou sem legendas, já que os diálogos são acessíveis a um estudante em nível intermédio/avançado. Contudo, nos momentos dos trocadilhos será melhor fazer pausas e anotar os exemplos dados, para que depois se possa ir criando um caderno de estudo. Deverá notar-se também o estilo de uso da língua em personagens distintas, que têm diferentes idades e posições na sociedade. Por exemplo, o aluno poderá anotar expressões do urso panda e expressões do urso polar (fora dos momentos de humor) e “dissecar” as diferenças. Ao aparecer um outro urso – o urso pardo – existe ainda mais um exemplo contrastante. Neste caso o uso da língua japonesa pelo urso pardo é marcado pelo seu estilo de vida e incluí até alguns regionalismos.

Exemplo dos diferentes usos da língua japonesa entre os três ursos – vídeo

A série Shirokuma Café já tem uns aninhos mas nunca se desatualiza porque os temas são interessantes e intemporais: relacionamento entre indivíduos (sejam pessoas ou animais), relação entre trabalho e lazer, desafios pessoais tais como ter aulas de condução ou aventurar-se a fazer uma viagem, etc. Ao contrário de muitas outras séries de animação, as quais usam demasiadas expressões que rapidamente ficam “datadas”, quem aprende japonês com o Café do Urso Polar não corre esse risco. Quando há formas específicas de falar estas dependem mais da personagem em questão do que da data (se é a senhora doméstica de meia-idade/mãe do urso panda ou se é um rebelde roqueiro que se aventura pelo mundo de moto/urso pardo) e esse é precisamente um ponto a favor da série, já que apresenta de modo muito natural como a língua japonesa tem variações específicas para determinados grupos/indivíduos conforme o seu papel na família e na sociedade em geral. Mais uma vez, para que seja uma experiência pedagógica, o aluno deverá tirar anotações, pausando o episódio sempre que necessário, e confrontar as suas dúvidas com os seus manuais e dicionários, ou melhor ainda, com o seu professor/a de língua japonesa.

É possível aprender japonês com séries?

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Na aprendizagem de uma língua estrangeira é muito importante procurar acima de tudo a “imersão”. A “imersão” é o processo deliberado de procurar recriar a experiência que uma criança pequena tem ao aprender a sua língua nativa, e apesar de não ser 100% garantido para a aquisição de uma língua estrangeira em idades mais tardias, não deixa de ser o método mais próximo daquele a que o nosso cérebro está habituado, com evidentes sucessos em várias pedagogias. Contudo, criar experiências imersivas para a aprendizagem de uma língua é bastante mais difícil do que parece à primeira vista, algo que todos os professores reconhecem, já que a maior parte deles se esforça bastante para que isso seja possível.

Uma das estratégias para a aquisição da língua japonesa é a audição de diálogos e interações entre falantes nativos ou entre um falante nativo e um estrangeiro, sobretudo em contextos quotidianos e enquadrados por alguma espécie de estrutura unificadora. Por exemplo, vários programas seguem uma personagem fictícia que se encontra subitamente no Japão e com poucos conhecimentos prévios de japonês, pelo que vai aprendendo a língua em contexto de escola ou trabalho, numa saída com amigos, numa reunião de escritório, etc. Os exercícios que o aluno deve realizar passam por ouvir atentamente os diálogos, repeti-los e eventualmente responder a questões sobre o assunto em questão. Apesar de estes exercícios serem muito importantes, e por isso mesmo incluem-se sempre alguns deste género nos manuais oficiais de língua japonesa, os estudantes tendem a estranhar-lhes a superficialidade, a cadência pouco natural da fala destes atores-de-voz bem treinados, as próprias circunstâncias e conteúdo das conversas, e – não raramente – consideram estes exercícios totalmente inúteis quando chegam ao Japão para estudar ou trabalhar e têm de se integrar em contextos com falantes nativos de japonês.

Existe ainda uma outra razão para que estes exercícios possam não ter o efeito desejado nos alunos (ou seja, o efeito previsto por quem criou os manuais), a qual se prende mais com o quão ativo é o papel do aluno na construção da sua aprendizagem. Os manuais japoneses, quando realizados no Japão e por equipas editoriais japonesas, tendem a “esquecer-se” que os alunos não asiáticos de japonês (e sobretudo os europeus) têm implementado nas suas escolas pedagogias diametralmente opostas, e que por isso os alunos (e mesmo os adultos que já não são estudantes) se relacionam com as matérias a aprender de modo completamente diferente. No Japão o ciclo de ensino obrigatório não se foca na construção ativa do saber, na formação de um pensamento crítico e/ou subjetivo, nem na argumentação. Em vez disso os alunos japoneses realizam sucessivos exercícios de repetição, chegando ao extremo de terem vários anos de língua inglesa no currículo e conseguirem responder plenamente a questões de gramática mas sem a mínima capacidade de encetar uma conversação simples ou entender o discurso de um falante nativo de inglês. Por outro lado, o aluno – digamos – europeu, valoriza o engajamento com o exercício, a capacidade de compreender no imediato que está a criar novas competências e a possibilidade de verificar logo como essas competências o levam a compreender melhor uma realidade mais vasta, realista, e dentro da qual se pode imaginar a ele mesmo.

Por tudo isto, têm aparecido nos últimos anos vários artigos em sites e blogs (com níveis de profundidade variáveis…) sobre de que modo é que conteúdos multimédia tais como séries, filmes, e até músicas podem contribuir para a criação dessa ambicionada proficiência em língua japonesa. A esmagadora maioria dos referidos artigos resume-se a listas de séries ou filmes, com um comentário muito breve do assunto que a mesma trata, e destinam-se ao público que já gosta de ver esses conteúdos (quer esteja a aprender japonês ou não) e que pretende – ainda que inconscientemente – que o tempo de despende a vê-los não lhe pareça desperdiçado. Ou seja, está implícito que a audiência tem um certo sentimento de culpa, eventualmente uma leve noção de que incorre no pecado de procrastinação, e naturalmente quem escreve os conteúdos desses artigos explora essas motivações para “cozinhar” uma listinha apetecível de recomendações, as quais são elencadas mais pela sua relação com os patrocinadores do referido artigo do que em consequência de uma visualização criteriosa das mesmas. Entenda-se que não se pretende aqui julgar as motivações de ninguém, nem determinar a favor ou contra de um passa-tempo tão inofensivo como a visualização de séries. Pelo contrário, pensamos que o prazer de mergulhar no mundo ficcional da narrativa multimédia é precisamente a razão pela qual as séries e filmes podem de facto ser usadas como uma ferramenta viável para aprender a língua japonesa, pois sem esse poder de atração não há imersividade, e consequentemente não se atingem os resultados pretendidos.

É com isto em mente que inauguramos neste blog mais uma rubrica, desta vez mensal, pois queremos produzir realmente artigos que ajudem os alunos e os professores, o que exige da nossa parte “fazer o trabalho de casa”. Esta rubrica irá apresentar não só as séries ou filmes que nos pareçam úteis para os alunos de língua japonesa mas o modo concreto como podem aprender algo com cada uma delas. E, escusado será dizer, aceitamos com muito gosto as vossas sugestões ou perguntas, que nos poderão chegar por email: umlongoveraonojapao@gmail.com